IV

Um dos criadores mais surpreendentes e inspirados da actual música em português.

Começamos com um gospel de órgão cheio e harmonias vocais celestiais - "que se dane o roque enrole/ isto é folclore" - e acabamos com uma "Canção de Natal" onde imaginamos Zeppelin e Bob Dylan em encontro comunal numa garagem de Queluz.Entre uma e outra, ouvimos um álbum que não só é "melting-pot" cativante de uma multiplicidade de linguagens como, mais importante que isso, não se transforma em frustrante Torre de Babel. Há por aqui rock'n'roll de gingar Faces em "Tiago Lacrau", psicadelismo de exuberância circense em "A lareira da Europa", guitarras africanas, a meio caminho entre Talking Heads e Vampire Weekend (o que é o mesmo caminho), em "Dentes de lobo", White Stripes a dançar José Afonso em "Lou Reed quer ser preto" e sugestões de adufes dançarinos e harmonias populares em "Diogo, és cão" ou "Arranja-me um jumentinho". Tudo isto, apresentado em glorioso, roufenho e nunca precário lo-fi, é servido por uma verve que junta cultura pop, auto-biografia, teologia, literatura, contos "nonsense" e humor delirante. Tudo isto criado com um sentido pop e uma capacidade de criar versos que, virtude rara, nos obrigam a receber música e letra como componentes de um todo indivisível. Tiago Guillul assume-se como um dos criadores mais surpreendentes e inspirados da actual música em português. A partir de "IV", crentes ou não, será criminoso ignorá-lo.

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