Sim, Alice, a magia existe

A partir de um guião original de Tati, o autor de "Belleville Rendez-vous" animou uma pequena elegia melancólica sobre o tempo que passa. Poesia em movimento

Convirá explicar desde já o essencial: o novo filme do animador francês Sylvain Chomet não é "Belleville Rendez-vous", apesar dos muitos pontos de contacto. E, apesar de se basear num argumento que Jacques Tati deixou por filmar, também não é o filme que Tati nunca chegou a fazer. "O Mágico" é outra coisa - um encontro a meio caminho dos dois universos, Tati sem ser Tati, Chomet sem ser Chomet, amalgamando elementos de ambos (e também da banda-desenhada clássica, com um perfume da "linha clara" franco-belga) para construir uma pequena elegia melancólica sobre um tempo perdido para nunca mais voltar.


Faz sentido que assim seja: esta animação de aspecto caseiro e artesanal (apesar das evidências informáticas em vários planos) literalmente não pertence aos nossos tempos. Nem lhes quer pertencer. Nostálgica, mas nunca serôdia, tem um respeito imenso pelo trabalho de Tati, mas está mais próximo do realismo dos "Angry Young Men" britânicos - e sobretudo de filmes como "The Entertainer" (1960), o clássico de Tony Richardson sobre um artista de vaudeville (Laurence Olivier) em decadência.

Também o ilusionista do título, o sr. Tatischeff (com os traços de Tati e usando o seu verdadeiro apelido), é uma relíquia de um passado moribundo, neste final dos anos 1950 em que os teatros de music-hall estão cada vez mais vazios e são as bandas rock que começam a arrastar audiências. Mas, num espectáculo de ocasião numa ilha escocesa, descobre uma fã na adolescente que trabalha na estalagem onde ficou alojado. Alice deixa-se seduzir pela magia do "país das maravilhas" que o sr. Tatischeff parece convocar por milagre (não por acaso, há um coelho rezingão que rouba o filme sempre que aparece e sublinha a ligação pontual a Lewis Carroll), e acompanha-o até Edimburgo, onde desabrocha para a vida ao mesmo tempo que o ilusionista compreende que a magia que ele cria já não tem lugar no mundo moderno.

É essa magia que Chomet recria apaixonadamente em "O Mágico", convocando o espírito de Tati a cada momento. Mesmo que seja evidente que, aqui e ali, o mestre teria explorado os gagues de maneira diferente, mesmo que se sinta que a história é demasiado frágil para sustentar uma duração de longa-metragem, percebe-se que Chomet não quis substituir-se a Tati nem fazer um "filme à maneira de"; em vez disso, há um encontro de universos que, de qualquer maneira, já estavam bastante sintonizados (Tati já estava omnipresente em "Belleville Rendez-vous"), aqui mais do lado assumido de uma homenagem sentida e sensível, da vontade de não deixar que a sua memória se perca e que a sua magia desapareça.

Tarefa quase impossível que, contra todas as expectativas, o realizador francês leva a bom porto: por 80 minutos, Tati está ali, à nossa frente. Não em carne e osso, mas em espírito. E o impossível acontece. Afinal, a magia sempre existe.

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