Joaquin Phoenix já não mora aqui

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A estreia americana de "Two Lovers", de James Gray, está a ser dominada por um assunto: é o último filme em que participa Joaquin Phoenix. Que, a partir de agora, desaparece e como actor e renasce como músico.

"Two Lovers", de James Gray, é o tipo de filme intelectual que muitos actores considerariam uma óptima oportunidade: um pequeno filme pessoal com um papel central exigente. Joaquin Phoenix, a estrela, vê o filme de forma diferente: é o seu último sopro.

O seu abandono do cinema - ele insiste: não é uma piada, nem um golpe de publicidade - está a transformar o lançamento americano do filme num circo quase tão surreal como algo realizado por Federico Fellini ou encenado pelo Cirque du Soleil. "Não pensei que fosse receber tanta atenção", diz Phoenix. "Pensei que ninguém se fosse importar."
O actor de "Walk the Line", de James Mangold, e de "O Gladiador", de Ridley Scott, anunciou no Outono que iria deixar a carreira de actor para seguir uma carreira musical, afirmando que "Two Lovers" seria a sua última presença no grande ecrã. A notícia (Phoenix só tem 34 anos e é considerado um dos talentos da sua geração) ameaça eclipsar o filme, testando seriamente o velho adágio segundo o qual não existe má publicidade.)
"Não faço ideia se ajuda ou prejudica o filme", diz o argumentista e realizador de "Two Lovers", James Gray, num final de dia de promoção em que Phoenix está a ser seguido por uma equipa de filmagens dirigida pelo actor (e cunhado de Phoenix) Casey Affleck, que realiza um documentário sobre a nova carreira de Phoenix. "Mas o meu instinto é que é muito bom para o filme", continua o realizador. "É um pequeno filme e de outra forma não estaria a receber tanta atenção pela imprensa."

Não é só o afastamento de Phoenix (e a cobertura mediática deste afastamento) que coloca a história de "Two Lovers" em segundo plano - a complicada vida emocional e romântica de um homem de meia-idade. É que a outra estrela do filme, Gwyneth Paltrow, também está atrair atenção. Não por fazer cada vez menos filmes nem pelo seu casamento com o vocalista dos Coldplay, Chris Martin. Mas porque se tem falado do novo site de auto-ajuda (www.goop.com) da actriz de "A Paixão de Shakespeare", e nem toda a cobertura dada aos seus conselhos para um estilo de vida luxuriante tem sido positiva. "Apesar de ser bom recebermos esta atenção, é um pau de dois bicos, porque não reflecte o filme", é a opinião de Eamonn Bowles, cuja Mangolia Pictures lança "Two Lovers" nos EUA. "O filme é tudo menos material para tablóides. É história profunda, séria e quase da velha guarda. E não queremos que o filme se afogue nos artigos de tablóide."

"Two Lovers" é tudo menos um romance leve. O filme começa com Leonard (Phoenix) a tentar cometer suicídio. Leonard, que voltou para casa dos pais, em Brooklyn, depois de um noivado cancelado, vê-se envolvido por duas mulheres: Michele (Paltrow), uma vizinha que tem um caso com um homem casado, e Sandra (Vinessa Shaw), uma conhecida da família que parece ser uma escolha mais saudável para o emocionalmente instável Leonard.

Gray escreveu o argumento com Phoenix e Paltrow em mente. (O actor já tinha participado em "The Yards" e "Nós Controlamos a Noite", filmes anteriores de Gray). E inspirando-se no conto "Noites Brancas" de Dostoiévski.
"Acho que ele está fantástico no filme", diz Gray da performance de Joaquin. "Se for o seu último filme, será uma pena. É um tipo extremamente talentoso e tem ainda muito a dar. Mas ele disse vezes sem conta: 'Já não gosto de fazer isto. Estou cansado.' Parecia de facto exausto no fim do filme. Parecia mesmo abatido. Nunca conheci alguém tão sério enquanto artista como ele. E não se preocupa com o que os outros pensam."

E isso inclui a avaliação que o actor faz do seu trabalho. Quando lhe perguntam se pensava que "Two Lovers" seria um adequado último capítulo para sua carreira no cinema, encolhe os ombros, responde que ainda não viu o filme. "Não vejo os filmes que faço. Porque faria isso?"

O caminho para os estúdios

Com um aspecto mais típico de uma estrela de rock do que de um ídolo de "matinées", Phoenix aparece para a entrevista com cabelo despenteado, barba desleixada, roupas rasgas e óculos escuros. Alguns descartaram a notícia do afastamento como uma partida ao estilo de Andy Kaufman [lendário comediante da TV americana dos anos 70, que jogava permanentemente com o seu "desaparecimento" nas personagens - Jim Carrey interpretou-o em "Homem na Lua"], comentando sem parar a lendária actuação de Phoenix em Las Vegas, onde o actor/cantor se desequilibrou e caiu do palco. Phoenix diz que leva muito a sério a troca das salas de cinema pelos estúdios de gravação, caminho para o qual se começou a dirigir há anos. De facto, cantou todas as canções de Johnny Cash em "Walk the Line", onde a sua interpretação do cantor country lhe valeu uma nomeação para os Óscares.
"É algo que ando a fazer há bastante tempo", diz, enquanto acende um cigarro e bebe um refrigerante. "Eu não quero filmar agora... Não me satisfaz."

Conta que está num estúdio de gravação todos os dias a trabalhar para acabar um disco que espera que esteja pronto dentro de meses. Diz que a música é difícil de categorizar e que, apesar de incluir rap, o resultado deve ser eclético e imprevisível. Acrescenta que quer fazer coisas selvagens.

O que também descreve a forma como decorreu a apresentação à imprensa de "Two Lovers". Foi perguntado aos jornalistas que entrevistavam Phoenix se Affleck podia filmar as entrevistas para integrar no filme, o que fez com que os procedimentos se assemelhassem aos de um documentário ficcionado do que a uma tournée de promoção de um filme, especialmente quando Phoenix reencenou a queda de Las Vegas.
"Começou de forma inocente [a ideia para o documentário]", diz Phoenix. "Estava no estúdio, a gravar, e queria documentar essa experiência."
Diz que quando era jovem actor entrava num estúdio de cinema, sentia o forte odor que as tintas libertavam com o calor das luzes e ficava intoxicado. "Eu quero entrar ali, eu quero entrar ali", assim descreve a forma como se sentia atraído para a representação. "Mas não sinto isso há algum tempo... e a minha mãe sempre me disse: 'segue o teu coração.""

Não sabe se vai ter o mesmo sucesso na música como teve no cinema, mas precisa de fazer o que acha recompensador. Representar, conta, "envolve demasiados elementos, que têm a ver com os filmes, que acho insuportáveis." Não especifica quais, mas deixa claro que se tornou mais um emprego e menos uma aventura criativa. "Estimulava-me [representar], e depois tornou-se nesta coisa."

O que também mudou foi o tipo de filmes para os quais se sente atraído, que já não são os mesmos que agradam ao público. Apesar de "Walk the Line"(2005) ter feito mais de 140 milhões de euros em todo o mundo, os filmes mais recentes de Phoenix têm sido menos populares. "Traídos Pelo Destino" de Terry George (2007) fez pouco mais de 100 mil dólares nos EUA (cerca de 77.6 mil euros).

"Two Lovers" deverá ter resultados semelhantes e Phoenix sabe-o. Enquanto termina o pouco usual dia de entrevistas, pega numa cópia do poster do filme que está montada num suporte e descobre que está outro poster no verso. Era de um dos sucessos da última época natalícia, "Uns Sogros de Fugir" de Seth Gordon. "É assim que se faz dinheiro", diz, olhando para o poster de "Uns Sogros de Fugir", antes de o virar ao contrário. "E assim é como não se faz."

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