Uma arte nem sóbria, nem masculina, nem a preto e branco

O Prémio EDP Novos Artistas apresenta a sua selecção de finalistas — uma selecção que a obra da premiada não reflecte

Há cerca de duas semanas, a Fundação EDP anunciou a vencedora da décima edição do Prémio EDP Novos Artistas. Por deliberação de um júri internacional, depois de uma selecção prévia a cargo de João Pinharanda, Filipa Oliveira e Sérgio Mah, o mais apetecido prémio artístico dedicado aos jovens foi concedido a Ana Santos, escultora nascida em 1982 e com um currículo de que se destacam várias exposições de importância; integra actualmente, apenas para dar um exemplo, os 12 Contemporâneos que o Museu de Serralves tem patente.

Ana Santos, percebemo-lo bem, foi uma escolha consensual. Pratica uma escultura subtil, em que as fronteiras entre esta disciplina e o desenho se atenuam. O seu trabalho convoca uma série de modelos que o público que frequenta as exposições de arte contemporânea no nosso país reconhece de imediato: o trabalho sobre a autonomia da prática do desenho tal como ele é desenvolvido numa escola como, por exemplo, o Arco; o gosto por materiais escultóricos inusitados; a presença da cor; a interrogação sobre o espaço de exposição que nos recorda a obra de um Miguel Ângelo Rocha ou de um Alberto Carneiro; e, sobretudo, um apego ao desenvolvimento da obra plástica sem referências documentais, ao contrário do que sucede em tantos artistas da sua geração e, mesmo, um pouco mais velhos (Carla Filipe ou Pedro Barateiro, para apenas citar dois nomes). O prémio, se com efeito recai sobre uma obra que é já de grande qualidade, é um prémio dado pelo seguro, pela garantia de uma obra que, se é feita por alguém muito jovem, poderia igualmente sê-lo por um artista bem mais velho.

Vêm estas considerações a propósito da surpresa que a exposição dos jovens artistas a concurso provocou este ano. Na sua décima edição, a elegância do trabalho de Ana Santos surge descontextualizada numa exposição que prima pelo excesso, pela cor, pelo barroquismo das formas, pela dissonância entre linguagens plásticas, interesses pessoais ou as interrogações prévias a qualquer trabalho criativo. Logo à entrada, uma estrutura arquitectónica de cores estridentes (João Mouro) contrasta não apenas com o branco do polígono da Casa da Música, onde estão expostas algumas obras, como, o que é mais importante, com a sobriedade esperada nas exposições deste género. No interior, este gosto pelo excesso continua: quer nas esculturas poliformes de João Ferro Martins (um piano feito de um colchão e de copos de vidro, também na Casa da Música), quer nas fantasias ficcionadas por Tiago Baptista, quer numa profusão de práticas que incluem, por exemplo, objectos do quotidiano representados fielmente em escultura (Musa Paradisíaca, nome da dupla de artistas Eduardo Guerra e Miguel Ferrão), uma reflexão sobre as memórias da Guerra Colonial (Sandro Ferreira), as genealogias arquitectónicas imaginadas de Luís Lázaro de Matos ou, mais sobriamente, o filme de Mariana Caló e Francisco Queimadela sobre o lince ibérico em que perpassa a questão da identidade portuguesa e as fotografias trabalhadas digitalmente de Pedro Henriques.

De todas as exposições de finalistas dos prémios EDP Novos Artistas, esta é a mais surpreendente, aquela em que o júri de selecção mais arriscou. Encontramos aqui uma saborosa conjunção dos gostos de cada um dos membros deste júri, e mesmo dos riscos que um ou outro mais tomaram: não foi João Pinharanda que disse, em tempos, que a arte oficial portuguesa era sóbria, masculina, a preto e branco? Aqui, fez-se tudo para acolher aquilo que seria o seu oposto, como é natural que aconteça com artistas mais novos. Foi isso que esta exposição trouxe, foi por isso que ela desconcertou, e ainda bem que assim foi. E embora a escolha final contemple efectivamente a qualidade e o bom gosto instituído, ela não espelha, de todo, a surpresa da prática destes artistas, os mais novos de todos. Resta-nos o consolo de saber que, para todos eles, a presença nesta exposição é um ponto de arranque importantíssimo nas suas carreiras futuras. Sempre assim sucedeu, em todas as dez edições que o prémio já leva. 

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