Observações etimológicas e de gosto

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Há uma observação negativa (da ordem do gosto) a fazer à associação da pintura de Courbet com o livro de Catherine Breillat: o arranjo gráfico da capa. A imagem surge sem escala nem sustentação e a reprodução da moldura dourada um simples ornamento kitsch.

A outra questão complementar é da ordem da legalidade: saber se a reprodução pagou os direitos de reprodução devidos a qualquer museu.

Há quem possa dizer, porém, que associar a imagem de um sexo feminino "explícito", embora artístico, à pavloviana palavra "porno..." poderá ser considerado oportunismo comercial.

É certo que a imagem de Courbet teve origem clara: foi encomendada por um particular para seu prazer secreto e voyeurístico. Isso deve ser visto à luz de uma temática universal que, na França setecentista e depois, criou a genealogia onde Courbet directamente se insere. Mas a superior categoria de obra-prima da pintura em causa coloca-a num patamar onde qualquer crítica é da ordem da estupidez, da incultura e do moralismo repressor.

Já o livro (e o filme subsequente) de Breillat, que parece ser versão "explícita" de uma obra-prima de Duras (La maladie de la mort), não augura a mesma perenidade, além dos escândalos do momento e da sua inserção na corrente da New French Extremity (James Quandt, Artforum), que extrema o papel do feminino nas relações sexuais e torna explícita a referência e representação do acto sexual e da genitália.

Mas o próprio título de Breillat é bem mais complexo do que a palavra hoje nos sugere: "porne", em grego, é prostituta e o sufixo "cracia" "poder". No séc. X, um longo período do papado romano, dominado pelas mulheres de uma poderosa família, designou-se exactamente por "pornocracia". "Pornocracie" confirma essa classificação, colocando em jogo um casal onde a mulher se transforma de vítima em dominadora.

Parece então não apenas certeira mas subtilmente culta a oportunidade de utilização de Courbet na capa da versão portuguesa de Breillat.

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