O criador do mapa de mapas

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Foi considerado uma das 50 mentes mais criativas e influentes de 2009 pela revista norte-americana Creativity, tem 30 anos, é açoriano e vive no Reino Unido. Trabalha para a Nokia mas é também o criador do projecto VisualComplexity.com que actualiza, no seu computador em casa, nos tempos livres

Neste caso, quase se pode dizer que a culpa é dos mapas. Manuel Lima, de 30 anos, açoriano a viver em Londres, eleito pela revista norte-americana Creativity como uma das 50 mentes mais criativas e influentes de 2009, tem a mania dos mapas.

A sua família tinha o hábito de fazer duas grandes viagens por ano e a imagem do seu pai (veterinário) sempre às voltas com mapas, a tentar orientar-se nas cidades, ainda hoje o faz rir. É o que ele está a fazer agora, quando, ao telefone a partir de Inglaterra (entre o seu trabalho na Nokia, onde é "Senior User Experience Designer", e a sua actividade no site VisualComplexity.com, que criou), nos explica como são fascinantes os mapas por causa da capacidade que têm para transmitir informação diversa num espaço relativamente restrito.

Conta entusiasmado que está a fazer uma colecção de mapas antigos dos Açores e de mapas do metro de Londres e que no seu apartamento londrino, que partilha com a namorada, já não há quase espaço nas paredes. "É muito interessante analisar a evolução da representação visual da rede do metro de Londres e ver como variou ao longo dos tempos, ver os passos e desafios que enfrentou", explica o designer e investigador natural de Ponta Delgada.

Há algum tempo, Manuel Lima comprou o mapa do metro de Londres criado por Harry Beck em 1933. É o mapa que influenciou todos os outros mapas do mundo ao nível da representação visual dos transportes subterrâneos. Mas o mais extraordinário é que o investigador conseguiu comprar também o mapa do metro de Londres do ano anterior, 1932, e assim descobrir as diferenças entre um e outro. "Até 1932, na representação do metro de Londres, as estações eram exactas no que diz respeito à sua localização geográfica. Harry Beck, em 1933, colocou isso em causa", explica.

Quando se está debaixo da terra, a localização geográfica das estações não interessa, porque viajamos de estação para estação. "Beck conseguiu fazer uma abstracção: as estações já não estão localizadas pela sua situação geográfica. Essa abstracção leva a uma maior organização e a maioria dos metros hoje cumpre essa regra."

Manuel Lima emoldurou os dois mapas e, ao comparar o antes e o depois, percebeu como é fenomenal esta contribuição. "O mapa de 1933 é uma peça de design intemporal. Podia ter sido feito ontem. É absolutamente actual, contemporâneo e inovador."

Esta conversa à volta dos dois mapas emoldurados só faz sentido porque explica todo o interesse que o investigador português tem pela representação de redes e também porque permite perceber o que é que o seu projecto VisualComplexity.com tem de inovador.

Embora o seu percurso seja invejável, foi por causa do VisualComplexity.com que a "Creativity" reparou em Manuel Lima e o colocou na lista das 50 pessoas mais criativas e influentes em 2009: aquelas que "impuseram uma marca significativa na consciência criativa da nossa indústria e cultura", fazendo-nos "pensar de um modo diferente sobre um determinado método instituído".

Partilha a lista com o realizador David Fincher, o fundador e CEO da Amazon.com Jeff Bezos, o estratego da campanha presidencial de Barack Obama David Axelrod, os co-fundadores da Google Sergey Brin e Larry Page, o arquitecto Jean Nouvel, o realizador Andrew Staton (de "Wall-E"), o humorista Stephen Colbert, a fotógrafa Callie Shell, o artista plástico Zhang Huan, entre outros. E, para a "Creativity", Manuel Lima "poderá tornar-se o Edward Tufte do século XXI", professor da universidade de Yale, "o Leonardo da Vinci do digital", segundo o New York Times, e um especialista em infografia.

Ver redes complexas

O VisualComplexity.com é uma compilação de mais de 600 projectos de visualização de redes complexas. E a maioria dos projectos disponibilizados tenta tornar informação complexa mais fácil de entender e utilizar.

Ao mesmo tempo, o site reúne e categoriza todos esses projectos num espaço único, de modo a proporcionar comparações relevantes. "É, em certa medida, um mapa de mapas. Alguns projectos são peças estáticas, tais como gráficos, diagramas e visualização de redes, representados em posters, material impresso ou imagens geradas por computador. Alguns levam horas a processar e são precisos algoritmos complexos para produzi-los, outros são apenas desenhados à mão ou usando software apropriado", explica.

O site tem como objectivo "estimular um olhar crítico sobre diferentes métodos de visualização" em áreas tão diversas como a Biologia, as Redes Sociais ou a WWW. E é possível depararmo-nos com um mapa de interacção entre proteínas ou entre neurónios, mas também com uma rede de metro ou uma rede social.

Antes de existir o VisualComplexity.com todos esses projectos estavam espalhados pela Internet e por intranets privadas. Muitos eram projectos académicos que nunca chegavam a ser revelados ao público. "A principal inovação do projecto VisualComplexity.com foi congregar muitos desses projectos num único espaço", explica Manuel Lima que volta a dar como exemplo os mapas de 1932 e de 1933. "Individualmente, estes mapas são importantes, mas só quando os vemos lado a lado é que percebemos as principais diferenças e os desafios que cada designer teve que enfrentar."

Tal como o VisualComplexity, que também permite uma análise aprofundada quando se comparam mais de 600 projectos, Manuel Lima prefere apontar tendências a eleger um projecto. "A tentativa de visualizar células terroristas, em parte causada pela dificuldade em interpretar ligações explícitas no seio destas redes sociais não-hierárquicas." A visualização de redes de influência política on-line continua a ser também uma forte tendência, acrescenta, que pode vir a ajudar na explicação de mudanças políticas e resultados eleitorais.

O cérebro humano continua a ser alvo de inúmeros estudos e tentativas de visualização que conduzam a um melhor entendimento da sua vasta rede de interligações e impulsos nervosos. E a busca de modos alternativos de interacção e visualização de artigos noticiosos permanece uma prática recorrente em muitos websites e portais, para fazer face a um crescente volume de informação. "Por último, como não poderia deixar de ser, continuam a surgir muitos projectos que tentam visualizar diferentes aspectos das redes sociais de serviços on-line recentes, como o Facebook, Flickr, delicious, Last.fm, etc.". Todos se encontram no VisualComplexity.

"Site" sozinho

Manuel Lima licenciou-se em Design Industrial pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa em 2002. Partiu depois para um estágio na empresa Kontrapunkt, em Copenhaga. A seguir, fez um mestrado em Design & Technology na Parsons School of Design, em Nova Iorque. Foi aí que começou a criar o VisualComplexity.com.
A sua tese tinha como objectivo construir um modelo de visualização que permitisse analisar a propagação dos artigos noticiosos mais populares na blogosfera: "O modo como estes se transmitem e evoluem ao longo do tempo."

Para melhor entender como a difusão de informação se comportava neste ambiente, Manuel Lima teve de investigar a estrutura da World Wide Web, assim como a estrutura física dos milhares de servidores interligados que compõem a Internet. Começou por reunir vários projectos que tentavam dar forma ou visualizar muitos destes universos "intrincados e desconhecidos", e a partir daí começou por explorar outros tipos de redes, como redes de energia, transportes, sociais, celulares.

"À medida que encontrava paralelismos interessantes entre redes tão variadas, tornava-me cada vez mais interessado na matéria." Foi então como professor assistente da disciplina de Arquitectura de Informação, do seu programa de mestrado, e como investigador no Parsons Institute for Information Mapping (PIIM) que Manuel Lima teve oportunidade de consolidar esta sua pesquisa. E foi parte dessa investigação que originou o núcleo inicial do projecto VisualComplexity.com, iniciado em Outubro de 2005, cinco meses depois da conclusão da sua tese.

Não pediu apoios no lançamento. "Todo o trabalho que o site requer - e a investigação regular a que obriga - é realizado apenas por mim. Não possuo qualquer equipa a trabalhar comigo." Durante o mestrado, Lima esteve envolvido num curso conjunto com o Siemens Corporate Research Center, trabalhou no American Museum of Moving Image e no Parsons Institute of Information Mapping, em projectos de investigação para a National Geo-Spatial Intelligence Agency. Após três anos a estudar, ensinar e trabalhar em Nova Iorque, Manuel mudou-se para Londres. A Nokia foi buscá-lo através de um caçador de talentos.

"Cada vez mais, o telemóvel é visto como uma janela (entre muitas outras) para o mesmo tipo de serviço, na sua maioria integrado num ecossistema com base em plataformas on-line. A Nokia entende bem esta mudança e começa a delinear o seu intuito de impor-se como uma empresa fornecedora de serviços úteis ao utilizador. A minha função é planear e conceptualizar uma nova geração de serviços e software que ajudem a empresa a atingir esse objectivo." Para além desta importante transição, os telemóveis estão a tornar-se elementos de captura de diferentes dados ambientais no nosso quotidiano, criando enormes potencialidade a nível da disciplina de Visualização de Informação. "O que se revela extremamente motivante", diz. "O meu trabalho no VisualComplexity.com poderá começar a aproximar-se do trabalho desenvolvido na Nokia", onde é responsável pela nova geração de software e serviços da empresa finlandesa.

Até agora, tem conseguido conjugar a Nokia e a dedicação, em casa, ao VisualComplexity.com. A solução poderá vir a ser trabalhar quatro dias para a Nokia e tirar um dia por semana para a VisualComplexity, para a sua investigação e para responder a e-mails.

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