Uma certa falta de coerência

O contexto independente do Porto tem tido dificuldades em renovar-se: parece que os protagonistas não mudam.

A história inicia-se há uma década, em Janeiro de 1999 - curiosamente no mesmo ano em que é inaugurado o Museu de Arte Contemporânea de Serralves -, quando Paulo Mendes, com experiência enquanto organizador de exposições colectivas, decide criar, no Edifício Artes em Partes, o projecto W.C. Container. O primeiro espaço da cidade do Porto gerido por um artista funcionava literalmente, tal como o nome indica, numa casa-de-banho de um prédio da Rua Miguel Bombarda, artéria que começava a ser também escolhida por uma série de galerias de arte para ali instalarem os seus negócios. Não deixa de ser relevante o facto de ter sido alguém vindo de fora a criar uma alternativa ao contexto artístico local, há muito fechado sobre si próprio.

Ao W.C. Container, que durou 17 exposições, encerrando em Dezembro de 2001, sucedeu um outro projecto criado por Paulo Mendes, o In.Transit, inaugurado em Junho de 2002 e recentemente encerrado devido à reconversão do Edifício Artes em Partes, um dos símbolos da mutação cultural da cidade acontecida há dez anos, numa casa de chá. Neste período foram vários os espaços geridos por artistas - os quais chamam a si o papel de curadores, recusando a exterioridade desta figura - que marcaram o contexto artístico do Porto, podendo destacar-se, pela sua importância e continuidade, os espaços Caldeira 213, PêSSEGOpráSEMANA, Salão Olímpico, Apêndice, Mad Woman in the Attic, Campanhã, A Sala e Uma Certa Falta de Coerência - apenas estes dois últimos continuam activos.

Se, numa primeira fase, os espaços geridos por artistas constituíram, de facto, uma alternativa quer ao circuito institucional, quer ao mercado da arte, rapidamente transformaram-se em instâncias de legitimação, levando a que muitos dos protagonistas ligados à criação dessas estruturas independentes fossem integrados nos elencos das galerias de arte. Esta situação criou uma bipolaridade: com um pé em cada lado, os nomes passavam a circular indiferentemente entre o "white cube" e a cave de um café, o sótão de um apartamento ou uma loja alugada num centro comercial.

A institucionalização também não tardou. Primeiro em Lisboa, no Arte Contempo, com uma iniciativa intitulada "Espaços Alternativos do Porto", que, entre Maio e Julho de 2004, albergou exposições colectivas concebidas respectivamente pelo Salão Olímpico, PêSSEGOpráSEMANA e Ateliers Mentol. Depois no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e no Pavilhão Centro de Portugal, em Coimbra, onde, em 2006, foram apresentadas as mostras "Busca-pólos", que tinha novamente como protagonista o Salão Olímpico, estrutura existente de 2003 a 2005, na cave do café homónimo, situado também ele na Rua Miguel Bombarda. A visibilidade crescente das iniciativas com origem no Porto fez com que nomes de outras latitudes quisessem participar na "movida". O fenómeno teve ainda outra consequência: a confusão entre a intensidade colectiva e a qualidade dos trabalhos de cada protagonista - há uma enorme dificuldade em discutir as obras, sendo esta dimensão deixada para trás em favor de uma permanente vontade de realizar exposições, performances, etc.

A ausência de massa crítica na cidade, a forma como a política local ignora o contexto artístico, o fechamento ao exterior da Escola Superior de Belas-Artes e a crise económica do país são outros dados que ajudam a explicar um contexto onde, apesar de todas contradições, os espaços geridos por artistas continuam a desempenhar uma função única: a de laboratórios onde é possível experimentar e errar, condições necessárias para o desenvolvimento da criação contemporânea. Cada vez mais doméstico - dos quatro projectos no activo, três (A Sala, Extéril e Fundação) funcionam nas casas dos seus mentores -, o contexto independente do Porto tem tido dificuldades em renovar-se: parece que os protagonistas não mudam. Sente-se a falta de uma nova geração de artistas, críticos e comissários. Para que se respire novo ar.

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