A Arte Lisboa (infelizmente) ainda é uma "feira"

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João Henriques/PÚBLICO

Mais uma edição torna claro que este evento tem um problema de identidade. Falta-lhe imaginação e bom senso. Desde o ano passado limitou-se a adoecer mais um bocadinho

Uma feira é uma feira. Mas uma feira de arte contemporânea tem que ser algo mais que uma "feira". Ora isso é, exactamente, o que a 9ª edição da Arte Lisboa não consegue ser. E nem a crise económica, nem mais uma "fuga" de galerias portuguesas (desta vez foram oito) explicam o cenário aborrecido, por vezes enjoativo, que se montou no Pavilhão 4 da FIL, no Parque das Nações.

Não está em causa a dimensão comercial, a relação entre compradores e vendedores, sempre necessária, sempre reivindicada (embora nem sempre convenientemente medida). Apenas a ausência de um sobressalto de imaginação. E, até, de algum bom senso.

Desde o ano passado, a Arte Lisboa limitou-se adoecer mais um bocadinho. A organização dos stands piorou. Há demasiadas galerias, algumas de tão próximas parecem geminadas. Não que fosse desejável uma hierarquia, mas a verdade é que há obras que não saem dignificadas desta confusão, em particular obras dos artistas portugueses.

A presença espanhola (31 galerias) é, como se esperava, a possível. Tem uma dimensão discreta, regional, mas não tem qualidade. Vê-se, com esforço, aqui e ali, alguma pintura e fotografia interessante, mas quem for à procura de algo minimamente representativo da arte contemporânea do país vizinho não encontra - convém lembrar que das 31 galerias espanholas, apenas oito têm (até agora) a presença confirmada na próxima edição da Arco de Madrid.

A crise ainda não abalou, a arte também tem a sua Realipolitk, a feira é ibérica, faltam apoios. Certo. Mas como explicar a presença ruidosa e espectacular de tantas galerias de segunda linha? Um Hitler crucificado, coelhos com chifres, querubins com mísseis entre as pernas? O efeito irmãos Chapman/Maurizio Catellan dirigido às massas? Antes a feira popular.

A secção dos Project Rooms, intitulada Luzes, câmara, acção!, com a curadoria de Óscar Alonso Molina, e o apoio do Governo espanhol, redunda num falhanço. Nada contra a ficção, a narrativa, o conto, o literário. Nada. Pelo contrário. Mas a apresentação - uma mera sequência de salas - é profundamente conservadora e prejudica os projectos, a maioria, diga-se, conceptualmente redundantes e decorativos.

Significa isto que não vale pena ir à Arte Lisboa fazer aquilo que é suposto fazermos numa feira: comprar? Claro que vale. É possível, por exemplo, descobrir obras, entre a pintura a desenho, de artistas ainda (relativamente) pouco "legitimados": Bruno Borges (Sopro), Patrícia Lambelho e Ivo Moreira (Galeria Jorge Shirley), Marcelo Costa e Jorge Nesbitt (João Esteves de Oliveira), Luís Silveirinha e Raquel Feliciano (Alecrim 50), Arlindo Silva (MCO), Gonçalo Sena e André Romão (Baginski) e Vasco Monteiro (Módulo) são alguns...

Ou boa fotografia: Carlos Lobo (MCO), Rita Magalhães e André Cepeda (Galeria Pedro Oliveira), Sandra Rocha e Catarina Botelho (Galeria Fonseca Macedo), Rodrigo Amado (Módulo), Pedro Tropa (Quadrado Azul) ou João Paulo Serafim (Baginski). A maioria dos preços não são proibitivos, os trabalhos são interessantes e podem significar um início de uma colecção.

Dois caminhosClaro que quem tiver bolso pode começar pelos consagrados e pelos "históricos". Há pinturas magníficas de Ângelo de Sousa, Bertholo, Álvaro Lapa ou Eduardo Batarda, desenhos de Gaëtan (a valores convidativos), de Julião Sarmento, Pedro Cabrita Reis ou António Sena, fotografias de Paulo Nozolino.

Justificam-se, por isso, visitas à Galeria João Esteve Oliveira (onde se pode redescobrir Sofia Areal), à Antiks Design ou à Quadrado Azul. E não só. Finalmente, é de lembrar a presença de obras relevantes de artistas como Carlos Roque, Gabriela Albergaria, Vasco Araújo, João Pedro Vale, Francisco Tropa, Ana Jotta, Francisco Queirós, André Guedes, Júlia Ventura, entre outros. Em suma, há sempre o que conhecer e comprar.

Acontece que uma feira de arte contemporânea, enquanto evento, não se pode limitar a esta relação. Estamos em crise? Pois bem, não teria havido espaço para um stand dedicado aos livros de artista ou publicações dirigidas por artistas? Ou ao desenho, ou à pintura em pequenos formatos? E por que não pode a Arte Lisboa - beneficiando da condição de momento informal - arriscar exercer uma função pedagógica? Por exemplo, disseminando, discretamente, mais vídeo, instalação, som, performance. Promovendo mais conferências, debates, workshops.

A presença de obras de artistas internacionais (de qualidade mínima) é praticamente inexistente, os stands das publicações de arte mereciam melhores condições, tal como o bar, e rareiam os sítios de lazer. À Feira de Arte Contemporânea de Lisboa restam dois caminhos: o da arte (pintura) comercial e nesse caso será sempre, e apenas, uma feira (como outras) onde se compra e vende (sem desprimor para a actividade). Ou o da arte contemporânea; e, se assim for, terá que fazer jus ao título e arrepiar caminho. Com ou sem crise.

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