Um tempo que passou

O que há de interessante em "Homem no Arame" vai para lá do seu tópico

Em Agosto de 1974, o funâmbulofrancês Philippe Petit cumpriu umsonho de longa data: esticar umarame entre as duas torres gémeas doWorld Trade Center de Nova Iorque eandar na corda bamba a 104 andaresde distância do chão, no vazioabsoluto.

O que o documentaristabritânico James Marsh faz em"Homem no Arame" é contar aopormenor a história desse "faitdivers"perdido no tempo, feitoquixotesco que existiu apenas porquePhilippe Petit assim o decidiu, ou,mais prosaicamente, apenas porque.Porque não há outra razão paraesticar um arame entre dois edifíciosdaquele tamanho e atravessá-losenão por eles estarem lá - é a lógicadas grandes aventuras, das grandesconquistas, dos grandes desafios.

O que, no entanto, há degenuinamente interessante em"Homem no Arame" vai para lá doseu tópico: começa por estar na suaestrutura híbrida, em que a umproverbial documentário de "cabeçasfalantes", com entrevistascontemporâneas e (poucas) imagensde época, se anexa umareconstituição dos factos realizadaem estúdio de modo quaseexpressionista - porque, na verdade,não existem imagens do feito (tudofoi feito em segredo para não alertaras autoridades que proibiriamcertamente a tentativa). Aí residemalgumas das questões maisinteressantes do filme: a oposiçãoentre o pragmatismo e o sonho, entreo "porquê?" e o "porque sim", entrea necessidade de encontrar ummotivo e a compreensão de que não épreciso motivo nenhum. Mastambém a dúvida sobre a veracidadede tudo isto - se algo não ficouregistado, existiu realmente? Algoque apenas perdura na memória depoucos tem o mesmo peso de umacontecimento que todos recordam?

Claro que, depois, tudo isto ganhauma outra dimensão por teracontecido nas torres gémeas - asombra do 11 de Setembro paira sobretodo o filme, a sensação de "Homemno Arame" estar a resgatar uma"pequena história" que de outromodo teria sido esquecida apenas poracontecer neste sítio. A verdade,ainda assim, é outra, e é isso que étambém fascinante no filme de JamesMarsh (que venceu o Óscar de melhordocumentário mas foi produzido paratelevisão, para a grelha documentalda BBC Storyville, e que, por vezes,parece "pequeno demais", um poucoperdido no grande écrã): percebemosque estas pessoas, estes "heróis" queviveram esta história, pouco têm emcomum, já não se falam, perderam ocontacto ao longo dos anos. E todoseles têm memórias e verdadesdiferentes. Marsh não procura sequerconciliar essas memórias e verdadesdiferentes numa única: limita-se aregistar o momento em que foramuma equipa e conseguiram algo quemais ninguém conseguiu, antes oudepois (e que agora já nunca mais seconseguirá), sem se preocupar comos pormenores que não encaixam naperfeição.

O importante é resgatar aoesquecimento um tempo que passou- e, aí, a aposta está ganha.

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