Perdido por cem (mil)...

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Mas ainda não tinha entrado na sala e já a pergunta não parava de me atormentar: então "A Bela..." não tem quem lhe pegue (e pague)?

No sábado passado decidi-me a ir ver o novo filme de António Pedro Vasconcelos [A.P.V.]. As palavras amáveis para com "A Bela e o Paparazzo" escritas por Vasco Câmara neste jornal tinham-me deixado muito curioso.
E a minha primeira surpresa foi logo ao procurá-lo na programação dos cinemas de Lisboa: está o filme a começar a sua 4.ª semana e já só pode ser visto em meia dúzia de sessões, à noite ou à meia-noite!!!???... Afinal não está a ser um enorme sucesso de público, perguntei-me ainda atónito? Fui ao site do ICA (Instituto de Cinema) e fiquei muito preocupado: ao fim de três semanas, estreado em 57 cinemas, já tendo sido mostrado em mais de 120 ecrãs, o filme mal chegou aos 80 mil espectadores... (uma média de 13 espectadores por sessão???!!!... - número azarado, pobres salas vazias).

Fiquei mesmo muito preocupado e apressei-me a ir vê-lo. Como não sou pessoa de me deitar tarde, fui a Almada, onde ainda passava às "matinées". O cinema, sendo tremendo, é magnífico, e as salas fervilhavam de espectadores, embora para ver "A Bela..." não houvesse sequer uma dúzia. Achei realmente estranho que um filme feito com tanto amor ao público sofresse afinal a sua soberana indiferença. A dúvida começou a roer-me. Então andam a fazer "filmes para o público", andam a gastar centenas de milhares (milhões?) de euros de fundos públicos para fazer "cinema comercial", e depois o público não lhes liga nenhuma... será que afinal têm a boca sempre cheia de espectadores, mas as salas vazias deles?

Fui outra vez ao site do ICA: uma receita de 360 mil euros de bilheteira? Mas isso dá pouco mais de 100 mil para o produtor e o realizador. Muito mais do que isso gastaram de certeza só a estrear o filme... Afinal, o cinema comercial não só não dá dinheiro, como até faz perder ainda mais, logo na estreia? Ora bolas! Então voltámos à "Canção de Lisboa", àquelas palermices dos anos 30 e 40, retratos contentinhos de um país sinistro e que eram pagos pelo Estado ou levavam os produtores à falência? (Sim, eu sei que é "o melhor filme português de sempre", como diz A.P.V., quem é que quereria ver "Belarmino" ou os "Verdes Anos", "O Cerco" ou "Sem Sombra de Pecado", "Noite Escura" ou "Juventude em Marcha", "Os Mutantes", "Agosto", "Um Adeus Português", "Vale Abraão" ou "Trás-os-Montes", e tantos e tantos outros, podendo ver essa ridícula palermice dos anos 30?).

Mas ainda não tinha entrado na sala e já a pergunta não parava de me atormentar: então "A Bela..." não tem quem lhe pegue (e pague)? Então estes filmes que se dizem comerciais, feitos todos eles a pensar no público, mas principescamente financiados pelo Instituto de Cinema e a RTP (e sempre com muito mais dinheiro que os outros filmes), e com uma ajudinha do FICA (essa obra-prima da vigarice contemporânea) afinal não dão nem um cêntimo de retorno? Querem levar 300 mil espectadores (e não devia ser 900 mil?) e afinal não chegam nem a 100?!... Ora bolas para o comércio!

Concentrei-me então no ecrã e comecei a achar estranho: já lá ia quase uma hora e continuavam a passar anúncios - telemóveis e automóveis, bebidas e comidas, perfuminhos e roupinhas - não havia maneira de o filme começar. Vim cá fora protestar e o projeccionista explicou-me: meu caro amigo, aquilo é o filme (não são anúncios nenhuns)!
Voltei para a sala, já vazia de espectadores, e num "flash", como se à beira da morte, os anúncios rebobinaram-se-me de um jacto, e compreendi tudo: os actores são magníficos, os técnicos magníficos são, a imagem, o som, os diálogos, os "décors", a montagem, a produção - é tudo magnífico. Mas se era aquilo o filme, então o que eu vi - com todo o respeito por aqueles que perderam o seu tempo a fazê-lo - é uma Bela porcaria! Um descalabro estético e comercial. Uma coisa imprestável e sem sentido, embaraçoso e penoso de se ver.

Não agrada a ninguém e não dá um cêntimo a ganhar a ninguém. Custou(-nos) três milhões e não rende nem três (euros).
Serve para quê?

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