Cortes na cultura levam a suspender rodagem de Canijo

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Canijo na rodagem do seu filme passado no Bairro Padre Cruz Nuno Ferreira Santos

Ausência de prestação e retroactividade do decreto-lei que fixa as medidas de contenção do Governo condicionam "Sangue do Meu Sangue".

É a primeira consequência pública da entrada em vigor da cativação de verbas no sector da cultura: a rodagem do próximo filme de João Canijo, Sangue do Meu Sangue, está suspensa e cerca de 45 trabalhadores, entre actores, técnicos e outros membros da equipa, estão sem trabalhar.

A decisão, garante Pedro Borges, da produtora Midas Filmes, é fruto de "uma situação que afectará com certeza outros projectos neste momento em produção e que se arrisca a criar uma situação dramática no cinema português". Hoje há encontro do sector, em Lisboa, para analisar os efeitos da contenção orçamental na cultura e, sobretudo, no cinema.

O filme de Canijo, passado no Bairro Padre Cruz, ia na sexta semana de rodagem. Esta foi concluída, mas as duas restantes dependem agora de "soluções de financiamento alternativas", explica a produtora. A primeira incursão da Midas Filmes na produção de longas-metragens esperava esta semana uma prestação de cem mil euros do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), que nunca chegou. Era uma parcela do apoio obtido na sequência de concurso público, do qual duas prestações tinham já sido recebidas, como diz o produtor Pedro Borges, e que "o Estado tem agora que respeitar". Sobretudo quando há "um filme em curso e compromissos" não só com os trabalhadores directamente envolvidos, mas também com serviços de apoio à rodagem, da alimentação ao local de filmagem.

Sangue do Meu Sangue é apenas um entre vários projectos em curso afectados pelo Decreto-Lei 72-A/2010, em vigor desde dia 18. O diploma consagra a cativação de 20 por cento das verbas do Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC) a todos os organismos dependentes do Ministério da Cultura e uma perda de 13 milhões no orçamento.

Sexta-feira, em entrevista ao PÚBLICO, a ministra Gabriela Canavilhas admitia: "Vamos ter um período muito difícil, sobretudo para os artistas independentes." E quanto ao cinema: "O ICA também vai ser sujeito a uma retenção de 20 por cento das receitas, nomeadamente de receitas de publicidade." A que acresce o que Pedro Borges chama "cortes fúteis e malévolos" de efeitos retroactivos. Algo que também motiva os promotores do encontro desta tarde, que dizem que esse corte "de 10 por cento em todos os compromissos que o ICA assumiu com filmes e outros projectos em curso, cujos contratos de atribuição de subsídio são anteriores" a Janeiro de 2010, vai paralisar projectos que, por seu turno, já têm compromissos com terceiros. A Midas - e "todos os produtores, que já estão a tratar de aconselhamento jurídico", diz Pedro Borges - questiona a aplicação retroactiva dos cortes e a razão dos efeitos imediatos. No caso do filme de Canijo, a produtora vai "exigir ao ICA a devolução da retenção retroactiva e que esta seja feita só no final da rodagem". No cinema, além do ICA, os apoios vêm do Fundo de Investimento para o Cinema e Audiovisual, paralisado há meses e cuja nova entidade gestora, o Banif, está agora em funções. Segundo fontes do sector, só em Setembro aceitará novas candidaturas.

A retroactividade dos cortes e outras questões legais (a extensão das medidas de contenção às verbas investidas pela RTP, que provêm do seu orçamento; o facto de as verbas do ICA destinadas ao cinema provirem da taxa que os canais de televisão cobram aos anunciantes e independentes do Orçamento do Estado) são alguns dos temas que um grupo de profissionais discute hoje no Cinema São Jorge, em Lisboa.

Um texto que circula desde sexta-feira por correio electrónico convoca todos os produtores, realizadores, actores, técnicos e responsáveis de festivais e cineclubes para analisarem as medidas, que representam "menos dois milhões de euros para os programas de apoio à produção, à criação, à distribuição e à exibição" em 2010. O texto diz que "o futuro do sector está em risco", já que os cortes levarão à "falência das produtoras" e ao "desemprego" de actores e técnicos".

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