Chu Enlai ou como ser um bom comunista

O fim trágico de Chu reforçou a sua imagem como um moderado que tentou conter os excessos brutais de Mao. Gao mostra uma realidade mais complexa

A primeira manifestação de Tiananmen é em 5 de Abril de 1976, a seguir à morte de Chu Enlai. Para protestar contra Mao Zedong e o "Bando dos Quatro", os estudantes de Pequim decidem prestar homenagem ao primeiro-ministro que tentara conter os piores excessos do terror maoísta.

Chu Enlai morre meses antes de Mao. A ordem devia sido inversa, para evitar os riscos de tomada do poder pelo "Bando dos Quatros". Com efeito, a crise de sucessão começa logo a seguir à morte de Chu, com a demissão de Deng Xiaoping, que consegue sobreviver à Revolução Cultural e regressar, em 1972, como vice-primeiro-ministro. Mao escolhe Hua Guofeng para lhe suceder, mas o chefe dos serviços secretos, demasiado novo, só consegue resistir com o apoio da velha guarda, nomeadamente os "quatro marechais" do Exército Popular de Libertação. Dois anos depois, o "Bando dos Quatro" está na prisão e Deng assume a sua posição como principal dirigente do Partido Comunista e da Comissão Militar Central. Em Dezembro de 1978, o Partido aprova as "Quatro Modernizações", o programa apresentado por Chu, em Janeiro de 1974, que se vai tornar o simbolo das reformas na China nos últimos trinta anos.

No fim de contas, Chu acaba por prevalecer no seu longo duelo com Mao, que começa em 1927, quando os dois jovens comunistas se destacam na resposta à "débâcle" provocada pela ruptura da "Frente Única" com o Guomindang.

Esse duelo é o tema principal de Gao Wenqian na sua admirável biografia "Chu Enlai: O último revolucionário perfeito", publicada pela Pedra da Lua. Como explica Andrew Nathan [Professor de Ciência Política na Universidade de Columbia, e especialista em política chinesa], Gao trabalhou 14 anos sobre a "ficha" de Chu nos arquivos secretos do Partido, onde teve acesso a documentos únicos sobre a direcção comunista.

Chu Enlai é o paradigma dos revolucionários comunistas chineses. Como estudante, em Tianjin, forma-se politicamente no Movimento do 4 de Maio de 1919, a primeira manifestação do moderno nacionalismo chinês. Depois, está quatro anos na Europa, com Deng, Zhu De e Nie Rongzhen. É recrutado para o Partido Comunista em 1921 e, de volta à China, vai tornar-se comissário politico na Academia Militar de Whampoa - é o comunista com o mais alto posto no Exército nacionalista. Em 1927, consegue escapar de Xangai e organizar o levantamento de Nanchang, com Zhu, Nie, Chen Yi, Ye Jianying e Lin Biao - os futuros marechais.

Nos dez anos seguintes, Chu é o principal dirigente do Partido Comunista. Gao revela os documentos da Conferência de Zunyi, em 1935, para demonstrar que Mao tem uma posição secundária durante a Longa Marcha, não obstante as suas qualidades serem reconhecidas por Chu, que propõe ao dirigente rebelde ser seu adjunto militar - um erro que pagará caro no futuro. Segundo Gao, a doença de Chu, em 1937, acelera a ascensão de Mao, que se consolida em Yan'an, depois de Chu partir para Chongqing, em 1940, onde representa os comunistas na capital nacionalista. Em 1943, Chu reconhece publicamente Mao como o principal dirigente.

Para ser um bom comunista, Chu vai ser o melhor aliado de Mao e o seu parceiro indispensável, como primeiro-ministro, desde a fundação da República Popular da China, garantindo um mínimo de normalidade no meio das campanhas de mobilização totalitária.

A aliança entre os dois rivais nunca é pacífica e vai ser posta à prova na Revolução Cultural, quando Mao liberta a fúria dos Guardas Vermelhos para destruir o Partido Comunista. Nos momentos críticos, Chu está ao lado de Mao. O primeiro-ministro odeia a Revolução Cultural e tenta, com um sucesso limitado, proteger os velhos quadros. Mas só intervém decisivamente quando está em causa a unidade do Exército e o risco de guerra civil se torna real. Gao descreve a resposta de Chu à tentativa de golpe de Lin Biao, narrada ao minuto pela primeira vez. Depois, Mao tenta destruir Chu. O seu primeiro passo é trazer Deng de volta para substituir o primeiro-ministro, mas, contra as suas expectativas, Chu e Deng aliam-se para definir o programa das "Quatro Modernizações". Mao percebe que o seu legado histórico vai ser destruído e tenta precipitar a morte de Chu, proibindo os médicos de o tratar.

O fim trágico de Chu reforçou a sua imagem como um moderado que tentou, embora sem sucesso, conter os excessos brutais de Mao. Gao mostra uma realidade mais complexa, quer política, quer psicologicamente, procurando explicar a subordinação de Chu a Mao tanto pela necessidade de impedir a ruptura do partido, como para garantir a sua própria sobrevivência. Os resultados são ambíguos, pois, segundo Deng, sem Chu a Revolução Cultural teria sido ainda mais brutal, mas, com ele, fora mais longa. Gao contrasta a posição dos dois sucessores : Chu é incapaz de confrontar os seus adversários e prefere sempre recuar, enquanto Deng nunca retira, nem diante dos Guardas Vermelhos, nem diante dos estudantes que defendiam a "Quinta Democratização" em Tiananmen. Como dizia Mao, a revolução não é um jantar de gala.

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