Perto do coração das imagens

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Centro Cultural Emmerico Nunes e no Centro de Artes de Sines

A frase é dele e não deixa muito espaço a mais nada: "Sinto-me como se tivesse cegado por excesso de olhar o mundo." Al Berto manteve até ao fim - um fim que chegou depressa (1948-1997) - uma relação privilegiada com a imagem. "Ele olhava com muita atenção para tudo, olhava bem", diz João Pinharanda, o crítico de arte e comissário da exposição "A Secreta Vida das Palavras", que hoje é inaugurada no Centro Cultural Emmerico Nunes e no Centro de Artes de Sines.

Essa aproximação do poeta português à representação visual do mundo é o ponto de referência desta exposição que vai buscar o título a um dos livros de Al Berto, "A Secreta Vida das Imagens" (1991). É neste volume que o autor, que começou por frequentar cursos de artes plásticas em Portugal e na Bélgica, passeia pelo universo de grandes nomes da história da arte, desde Fra Angélico a Joseph Beyus, passando por Cézanne, Van Gogh e Chagall, mas também por Cesariny, Rui Chafes, Pedro Capalez, Julião Sarmento e Pedro Cabrita Reis.

São precisamente alguns destes artistas portugueses que João Pinharanda fez questão de reunir na exposição de Sines, a primeira a juntar os dois centros culturais da cidade. Tudo começou numa conversa com Cabrita Reis, diz Pinharanda, explicando como foram surgindo os nomes dos artistas a integrar: "Os consagrados estavam escolhidos à partida por serem citados no livro, tirando o Cesariny e o Dacosta, que não quis incluir por já terem morrido. Os mais novos pareceram-nos interessantes em diálogo com os 'clássicos'."

Do grupo dos "mais novos" fazem parte Edgar Massul, Fernando Mesquita, João Ferro Martins, Nuno Cera, Pedro Diniz Reis e Sara Santos, entre outros. O dos "clássicos" conta ainda com José Pedro Croft, Pedro Casqueiro, António Correia, Ilda David ou Rui Sanches.

Enquanto os jovens artistas criaram a partir de duas breves residências na cidade e arredores, visitando os lugares de Al Berto que nos habituámos a reconhecer na sua poesia, os consagrados irão apresentar, na sua maioria, obras que já foram expostas. A única excepção é José Pedro Croft, que mostrará uma série de gravuras inéditas. Chafes, por exemplo, levará à exposição um conjunto de 13 bancos de ferro que imitam os das galerias dos museus; Calapez participa com uma grande pintura fragmentada e Cabrita Reis com duas obras: uma grande cruz em ferro e uma torre de três metros de altura, em alumínio brilhante.

Entre os mais novos a diversidade de suportes é mais vasta: João Ferro Martins faz-se representar através de uma "performance" musical que se transformará em instalação; Nuno Cera e Rodrigo Tavares Peixoto mostram fotografia; Rodrigo Oliveira expõe sete painéis com materiais da região e informação recolhida no Arquivo Distrital de Setúbal; Vasco Costa opta pela instalação (não há como enganar, é a única com carvão); Sara Santos passa um vídeo.

Jogando sempre na ambiguidade entre a poesia e a prosa, entre o real e o imaginário, Al Berto foi construindo um universo paralelo que agora paira sobre "A Secreta Vida das Palavras". João Pinharanda, que conheceu Al Berto quando tinha apenas 11 anos e se tornou mais tarde seu amigo, não tem dúvidas em afirmar que não se trata de uma exposição ilustrativa, mas de uma evocação da importância da imagem. "A exposição tem este título, porque funciona como um espelho do livro, como se procurasse uma solução inversa à da poesia de Al Berto." "A Secreta Vida das Palavras" termina a 25 de Setembro.

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