Os franceses estão a redescobrir Camilo

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A obra de Camilo Castelo Branco é uma das mais procuradas no centro de Paris Carla Carvalho Tomás

O filme "Mistérios de Lisboa" já fez mais de 100 mil espectadores em França, entretanto, a obra homónima de Camilo tornou-se num dos livros mais vendidos da Fnac Forum, no centro de Paris

Camilo Castelo Branco está a ser redescoberto pelos franceses. Mistérios de Lisboa, o filme de Raúl Ruiz que adapta ao cinema a obra homónima de Camilo, está em exibição em França, onde já ultrapassou os 100 mil espectadores. E o romance "Mystères de Lisbonne", editado em França pela Michel Lafon, com uma tiragem de 15 mil exemplares, chegou ao top dos livros mais vendidos da Fnac Forum, no Forum Les Halles, no centro de Paris, a maior das lojas Fnac do país.

No sábado passado, Camilo aparecia na banca dos livros mais vendidos da loja ao lado das edições francesas de "O Cemitério de Praga", de Umberto Eco, "O Homem que Gostava de Cães", de Leonardo Padura, e ainda "Histoire D"Ici Et D"Ailleurs", de Luis Sepúlveda.

Passaram quatro meses desde que a Michel Lafon publicou o livro, o que faz crer que "as vendas são estáveis, em crescimento, e que passa-palavra funciona!", diz por email ao P2, Edouard Boulon-Cluzel, editor da Michel Lafon responsável por "Mystères de Lisbonne". No entanto, este top só se refere à loja Fnac Forum, em Les Halles, pois, a nível nacional, as vendas não são tidas como excepcionais. "Não se pode falar verdadeiramente de uma venda extraordinária", disse ao P2 o gabinete de imprensa da Fnac francesa. "A obra realmente vendeu-se bem, mas trata-se de uma venda média." Até ao fecho desta edição, a Fnac francesa não disponibilizou os números concretos de vendas do livro. Serão "vários milhares", segundo Edouard Boulon-Cluzel, que também não concretiza números.

Para o editor, é evidente que a Fnac acreditou no livro desde o início, tendo sido a escolha da cadeia para a operação Uma capital, um romance, que decorreu em Abril (e em que se promoveram obras como "Paris é uma festa", de Hemingway, ou "Lisbonne", de Fernando Pessoa). No site das lojas francesas "Mystères..." está etiquetado como produto Coup de cœur des vendeurs, a paixão dos livreiros. "Cada livraria Fnac é animada por livreiros apaixonados, que lêem os livros que têm à venda e têm toda a liberdade para destacar os seus preferidos", explica Boulon-Cluzel.

Muriel, livreira da Fnac de Valence, destacou o livro na sua loja e descreveu-o como "um mergulho nos "Mistérios de Lisboa" do século XIX através da história de um rapaz nascido de segredos dolorosos". Michael, da Fnac Croix-Blanche, diz tratar-se de "uma história onírica e enigmática, numa Lisboa ostentatória, onde a personalidade e as acções de cada personagem parecem articuladas pela vontade de um narrador de 14 anos que deixa escapar, à medida das suas recordações, o doce encantamento do que podemos chamar "a saudade"...". Aproveitando o lançamento do filme, a aposta da editora francesa foi grande. Arriscou uma tiragem de 15 mil exemplares. Esta é, segundo vários editores portugueses, uma "tiragem extraordinária", num país em que as habituais são da ordem dos três mil a quatro mil exemplares e podem ser até menores, no caso de traduções. "Uma tiragem de 15 mil exemplares é muito. As tiragens dependem sempre de vários factores, como se o autor já é conhecido no país, e também do género literário, claro. Um romance de um autor novo numa outra língua poucas vezes excede os 5 mil exemplares", explica ao P2, Nicole Witt, a agente literária da obra de José Saramago e de Gonçalo M. Tavares. Um livro de José Saramago, por exemplo, pode ter em França 30 mil a 50 mil exemplares.

Sinal dos tempos: em Portugal, as obras de Camilo Castelo Branco já não integram o programa de Português do ensino secundário e em França estão redescobrir este autor do século XIX por causa de um filme. "O livro "Amour de perdition" ["Amor de Perdição"] foi editado em França há uma dezena de anos e é difícil encontrar essa obra hoje em dia nas livrarias. Mas, nos fóruns de discussão de leitores, as pessoas começam a falar de Camilo, que comparam e associam a Alexandre Dumas", acrescenta Boulon-Cluzel. Que a edição de "Mystères..." tenha chegado ao top de uma Fnac francesa é "surpreendente, por ser um autor português do século XIX! Saramago e Lobo Antunes são muito populares em França, mas ver os nossos compatriotas redescobrir um grande nome da vossa literatura, com o estilo da época, é não só surpreendente como gratificante e emocionante. Foi necessário um filme para que isso acontecesse, mas é uma bela coisa, não é?", conclui Boulon-Cluzel.

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