Há um som novo no reino de Inglaterra

Canções magníficas, na senda de uma longa tradição britânica, desafiadoras e com o dedo posto no pulsar da actualidade

"This sound is everywhere but it can't be found": ouvimos a frase a meio de "Golden phone", canção número seis de "Jewellery", o álbum de estreia de Micachu & The Shapes, e não encontraríamos melhor forma de resumir o que temos em mãos. O seu coração pulsa sangue pop por todo o lado, mas o corpo que o cobre é toda uma outra coisa.

Produzido por Matthew Herbert, em estética gloriosamente lo-fi para acentuar a aura de estranheza, "Jewellery" é algo de realmente novo, incrivelmente excitante - é preciso ponderar muito bem a afirmação da novidade do que quer que seja no ano da graça de 2009, mas "Jewellery" cuida de fazer a sua defesa de forma eloquente.

Nestas 13 concisas canções - apenas duas acima dos 3 minutos -, equilibram-se guitarras adulteradas e sons resgatados a todas as mais improváveis proveniências - um aspirador, consolas de jogos, telemóveis, panelas da cozinha, o que seja. Esse equilíbrio não serve, contudo, um manifesto de artifícios que se esgote no gesto criativo. O que temos, senhoras e senhores, são canções: magníficas e na senda de uma longa tradição britânica, desafiadoras e com o dedo posto no pulsar da actualidade. Sintetizadores brincalhões, guitarras acústicas em frenesim e excentricidades psicadélicas numa fervilhante pop disfuncional, tão cristalinamente imediata quanto rica em elementos (há sempre muito a acontecer nos quadros sónicos criados pela guitarrista/vocalista/produtora Mica Levi, pelo baterista Marc Pell e pela teclista Raisa Khan).

O que temos, concretizando, é isto: pedaços de hip hop imiscuindo-se em baladas com o tremeluzir sonolento da madrugada ("Floor"); uma fanfarra digital que, guiada pela "guitarrinha" indie e pela voz que canta com falsa displicência, soa ao contraponto neurótico de "Grass", dos Animal Collective ("Just in case"); ritmos minimais nos recursos e maxi no efeito produzido, resgatados ao grime para se transformarem numa outra coisa ("Golden phone" podiam ser as ESG, se as ESG tivessem nascido em Londres trinta anos depois).

"Jewellery" representa um bem raro. Um sentido criativo exigente e popular, uma capacidade de representar o presente sem se esgotar nele. Micachu & The Shapes são uma surpresa que se torna confirmação um segundo depois de abrirmos a boca de espanto. Um dos acontecimentos musicais de 2009.

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