As caudas alheias

Kylie Minogue é baixinha — 1,52 m, segundo registos oficiais. Por isso, quando está sozinha numa sala, tudo bem: pose cheia de brilho, cabelo em ordem, sedução pop com os motores no máximo, pode ser princesa da pop à vontade deixando esgatanhanços pelo ceptro real a quem quiser atirar Madonna do trono abaixo. Mas basta alguém entrar no seu território para quase desaparecer, mesmo que munida dos mais assassinos saltos altos. Daí que a solução passe por atirar-se à bruta — mas sem desmanchar o penteado, naturalmente — para a frente de quem lhe esteja a roubar visibilidade.

Quer dizer: Kylie anda nisto há muito tempo, já teve a sua dose de altos e baixos, e nestes últimos anos aguçou o instinto de sobrevivência. Kiss Me Once começa por plantar-se nos cenários onde habitualmente avistamos Nelly Furtado e Katy Perry (desde que esqueçamos os medonhos 16 segundos iniciais de um io-o-o-o em Into the blue que anunciam uma catástrofe felizmente não verificada), passando depois pelos domínios arfantes de Rihanna em Sexercize. Para jogar pelo seguro, a cantora australiana arregimenta ainda Pharrell Williams para a equipa autoral, numa óbvia tentativa de reproduzir o efeito funk-disco pandémico de Get lucky em I was gonna cancel. E não tenhamos dúvidas: são três dos grandes momentos de Kiss Me Once (juntam-se-lhes, facilmente, os óptimos Les sex e Sexy love, a fim de também reforçar a ideia de amplitude temática), todos incrivelmente assertivos na forma como Kylie garante estar em jogo.

Não é acidental que nos créditos encontremos também Ariel Rechtshaid (tipo que, de forma improvável, começou por mostrar-se a produzir We Are Scientists e Cass McCombs e num par de anos ajudou a erguer nomes como Sky Ferreira, Solange Knowles, Haim e Charli XCX) e Sia Furler (moça que deixada sozinha com as suas canções se encharca de vulgaridade, mas que não costuma falhar quando do outro lado da transferência bancária estão clientes como Britney Spears ou Rihanna). Kiss Me Once é o primeiro álbum de Kylie ao abrigo da Roc Nation, de Jay-Z, e é um álbum de ambição competitiva. Para impedir que Kylie se distraia a perseguir a sua própria cauda. E para, por um momento, se distrair um pouco com as caudas alheias. 

Sugerir correcção
Comentar