Nave electrónica

Primeiro, o objecto. Trata-se de um CD-r, mas criado com a aspereza, o carisma e o afecto de um arcaico vinil, sendo a capa pintada à mão. O obreiro é Márcio Matos, que é simultaneamente o artista e editor. Só a música não é da sua autoria. Neste caso é de Tiago, ou seja Tiago Miranda, músico, produtor e DJ, de muitas identidades e proveniências (TNT Subhead, Slight Delay, Mendes & Alçada, Loosers ou Gala Drop), que tanto é capaz de se aproximar das dimensões mais espaciais da música de dança como do rock mais livre de espartilhos. Neste caso, nem uma coisa nem outra. Emotional Poverty é um disco de esboços, de apontamentos, de remendos sonoros inacabados, como se Tiago quisesse evidenciar que é possível criar qualquer coisa com elementos que, à primeira vista, poderiam parar no lixo. E no entanto os solavancos e acidentes sonoros que povoam este objecto acabam por funcionar enquanto todo. 

Não existe propriamente um diário de bordo, mas a nave espacial de cariz electrónico tanto vai desconstruindo elementos familiares (como um fragmento de What the world needs now is love, de Burt Bacharach) como deixa atrás de si vestígios desconhecidos, num encadeamento de temas predominantemente instrumentais. 

As velocidades rítmicas são variáveis, os climas não são uniformes, nem há proporção de formas. É um disco errático. Mas a verdade é que, no fim de contas, acaba por expor até um certo refinamento, na sua forma imperfeita de ser. 

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