... é actor e canta em francês

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FredNS

"Canção de Amor e Saúde", de João Nicolau, tem como protagonista o músico que nos habituámos a ver em palco, guitarra em punho e pouco verbo que a música diz o necessário. Em tela, Norberto Lobo fala e canta - e joga ténis.

O habitual é vê-lo em palco de guitarra em punho, homem de poucas palavras porque a música diz o necessário. João Nicolau, realizador de "Rapace", conhece mais que isso. E por conhecer mais, falou com ele, insistiu com ele e, finalmente, convenceu-o.
"Canção de Amor e Saúde", a mais recente curta-metragem de Nicolau, exibida na Quinzena dos Realizadores do último Festival de Cannes, conta a história de um empregado numa loja de chaves, das clientes que por lá passam, de uma encomenda especial e da rapariga especial que entrega tal tarefa às mãos do rapaz que passa os dias entre a máquina do ofício e uma outra, daquelas ruidosas que víamos há uns anos em cafés analisando compatibilidades amorosas em troca de uma moeda. Ele copia-lhe a chave, ela oferece-lhe algo que dispensará os serviços da malfadada máquina.

Ele é interpretado por Norberto Lobo. E sim, gostou: "Foi uma experiência óptima, completamente fora do meu ambiente natural. E é um filme muito musical, com uma poética especial, como têm sempre os filmes do João." E não, não sabe a razão da insistência em tê-lo como protagonista: "Não faço ideia do que ele viu em mim. Se há pessoa pouco fotogénica e menos à vontade, sou eu." Para o realizador, contudo, não havia dúvidas.

João Nicolau conhece Norberto Lobo há mais de dez anos - "muito antes de ser Norberto Lobo", precisa - e, quando começou a escrever o argumento de "Canção de Amor e Saúde", o par central teve logo corpos definidos. Nicolau pensou que o João teria que ser Norberto Lobo, que a Marta seria Marta Sena. "O filme foi pensado ainda antes do Norberto editar o primeiro álbum ['Mudar de Bina'], ou seja, não havia qualquer vontade de aproveitamento da figura pública dele", explica. Havia, isso sim, "as suas características físicas, a maneira de falar e de andar, o tom de voz e uma certa gestão de tempo que", assinala, "achei interessante trabalhar". Além disso, a questão musical foi importante. Naturalmente.
João Nicolau é músico. Toca nos München e ouvimos-lhes uma canção no filme. Adaptada de uma anterior banda de Nicolau, El Magretto Bane, chama-se "Colagène" e é interpretada por João (Norberto), debruçado sobre um dicionário de "Francês/Português". "O Norberto toca guitarra desde que anda e tem experiência de ouvir e de tocar com outras pessoas. Isso reflecte-se na maneira de estar, na maneira de dizer as coisas."

João Nicolau destaca-lhe a disponibilidade e a dedicação aos ensaios - "ensaio bastante, por vezes demasiado, e ele entrou rapidamente na maneira de trabalhar" - e, para o demonstrar, elenca actividades: "aprendeu a copiar chaves na Fábrica de Chaves do Areeiro, aprendeu um pouco de ténis para uma cena crucial e decorou em pouquíssimo tempo os diálogos em francês". Isto para concluir: "Estou muito contente com a performance dele, acho que é a melhor dos filmes que fiz."

Norberto Lobo, por seu lado, confirmou definitivamente os paralelismos que intuía existirem entre realizar um filme e gravar um disco: "Vejo um álbum como uma sucessão de cenas, em que há um corpo e um tom geral, em que estás a fazer algo que só tu vês realmente. Tive a mesma sensação quando fiz o filme. Parecia-me que só o João estava a ver o que aquilo ia dar. É uma ideia que só tu tens e que não podes traduzir antes de concretizar. Exactamente como nas canções", acentua. "As dinâmicas, a luz, o tempo; principalmente o tempo, que vi que funciona no cinema como na música: o saber esperar, o saber entrar."

Desconhecemos se ficará por "Canção de Amor e Saúde" a incursão de Norberto Lobo no cinema como actor. Continuará, certamente, a trabalhar em bandas sonoras - a última que assinou foi a de "Visita Guiada", de Tiago Hespanha, exibida no Indie Lisboa. Mas quer mais: "Tenho o sonho de um dia fazer um musical, algo na onda do 'Les Parapluies de Cherbourg' ['Os Guarda-Chuvas do Amor'], do Jacques Demy."
Antes ou depois dele, assistiremos a nova colaboração com João Nicolau. Não será cinema, será uma banda. Desgraça, assim se chama "o projecto a concretizar um dia". O realizador descreve: "Muito 'dirt', com baixos e programações, comigo a cantar e a tocar guitarras." Nada de depressões, nada de fado. Chamam-se Desgraça porque, na altura em que se lembraram da coisa, moravam ambos num certo bairro lisboeta. Esse mesmo, o da Graça.

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