Nocturno sensual

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Eles dizem que não, mas os 5-30 são um super-grupo: Pacman, Regula e Fred unidos num disco dedicado à fêmea, e com meia-dúzia de singles orelhudos. Tão bom quanto inesperado

Então é assim: “Pitas querem guito/ sócios querem pito/ tudo subentendido/ nem é preciso ser dito/ esquece a moral/ ninguém a tem para a troca/ esquece o amor ideal/ se não a coisa fica choca”. Estes versos brutos, que Carlos Nobre, mais conhecido por Pacman, o antigo MC dos Da Weasel, rapa em resposta à frase inicial de Sam The Kid são o (extraordinário) refrão de Pitas querem guito, um dos temas de excepção dos 5-30. De fora parece um super-grupo, mas é apenas a reunião de três amigos: Pac, o MC Regula e Fred Pinto Ferreira, baterista dos Buraka e membro dos Orelha Negra. E o refrão não é excepção: o disco é negro, minimal, explícito e sensual do princípio ao fim. 

“É um disco de homens, não é de meninos”, diz Carlão (Pac), já no fim da conversa. Deixámos o trio no número 530 de uma rua de Lisboa que teve má fama durante muitos anos. “Isto estava ao abandono e era onde o pessoal da rua vinha fumar chinesas”, diz-nos Fred. Agora, e após várias obras, é o estúdio que divide com Bernardo Barata (ex-Feromona, Diabo Na Cruz): há um átrio que inclui sofás e Playstation e salas de ensaio e gravação, que alugam a diversos músicos; acabam por juntar-se todos na pequena cozinha.

Se o projecto e o disco se chamam 5-30, tal se deve à dita cozinha da porta 530 da rua que não se pode citar. É que a dada altura Fred, Carlão e Regula deram por si a partilhar aquele espaço. A ideia, contudo, vinha de trás: “Isto começou numa das mixtapes de Orelha Negra, em que trabalhámos todos juntos. O Sam [The Kid] falou em fazermos beats para o Carlão rimar”, conta Fred. Foi este último que deitou mãos à empreitada, primeiro com um tema chamado 20 anos (que não entrou no disco) e depois com o magnífico Vício. “Mal ouvi [Vício], quis participar”, conta Regula. O MC mudou-se de armas e bagagens para o 530, e acabou por ficar membro da banda. Já Sam fez o caminho oposto: excluiu-se do trio e é convidado de honra em três temas.

5-30 é claramente um disco nocturno: assente em batidas minimais mas exactas, tem espaço para os dois MC brilharem em rimas que invariavelmente versam sexo, erva, coca, noite, relações — o que poderia ser caricatural não fosse o talento que têm para contar histórias cruas com um grau de “verdade” raro: simplesmente acredita-se em cada palavra. 

Melhor descrição para o que podem encontrar não é possível: “Faço sempre os meus beats a olhar para imagens. Neste caso, por alguma razão, foram sempre fotos de mulheres”, conta Fred, atrapalhado. Carlão corrobora: “Ao ouvirmos as músicas, também sentimos alguma escuridão e um clima sensual.” Chegaram a a pensar chamar ao disco Sextape: “Uma cena crua, por editar.” Mas houve edição. Regula, que a solo é dos rappers mais crus deste país (e cujo estilo disparado casa às mil maravilhas com o balanço de Carlão), põe as coisas em termos bem claros: “Sabia que o disco podia ter mais exposição, pelo que tive cuidado com o palavreado. A solo, como sei que não passo na rádio, digo imensa caralhada.” (Ainda assim é bem possível que nos EUA o disco levasse bolinha vermelha e visse uns blips apostos em certas rimas. Eles não se contiveram tanto assim.)

Desafios

No interior de 5-30 há um poster em que vemos o trio de smoking e ténis, o que encontra um paralelo com o disco: tem o lado ginga (dos ténis), mas depois as canções vestem casaco. Forma de dizer que aqui há canções, mesmo. E pelo menos uma mão cheia de singles: Chegou a hora, com Carlão zangado a avisar sobre umbeat quebrado que vai “partir esta porra toda”. E parte mesmo, logo a seguir, porque Vício é dos temas mais sensuais que este país já viu. Depois vem Pitas querem guito (título de Sam The Kid), que se não for ouvido com atenção corre o risco de ser tomado por misógino. “O narrador tanto trata mal a mulher como o homem”, lembra Carlão, ciente de que em Portugal não se costuma cantar assim. E ainda há os órgãos de Abuso, o reggae da magnífica Arame e o electro-chunga de Eu já estive aqui, que há-de reinar nos clubes. (Nem tudo é perfeito: três canções não funcionam.)

Curiosidade adicional: aqui e ali Carlão canta (mesmo e bem): “Se me dissessem há três anos que eu ia cantar, respondia que estavam malucos. Mas apeteceu-me.” O que não estava previsto é que rapasse: “Eu ia fazer spoken-word. Mas o Sam e o Regula começaram a picar-me e eu não podia ficar atrás.” 

“A cena é que estávamos a experimentar”, conta Fred. “Todos fizemos cenas fora da nossa zona de conforto.” E é por isso que 5-30 é um disco em que gente de alto cartel manda às malvas o currículo e faz o que quer. Isto porque 5-30 “não é um super-grupo: são amigos que se desafiam e tentam ultrapassar o que o outro fez”.

E as rádio, arriscarão passar canções assim? “Em Portugal há uma certa hipocrisia da linguagem”, aventa Carlão, que volta e meia pensa no que acontecerá quando a filha crescer e ouvir este disco. “Em inglês passam as cenas mais horríveis. Em português não. Se a rádio não passar o Pitas querem guito ou o Arame fico com pena, mas sei que vai passar nos clubes e nos carros e nos bairros.” 

Desta vez pode ser que a hipocrisia não vença: o disco entrou directo para o primeiro lugar do iTunes e está confirmada a presença dos 5-30 no Meo Sudoeste. Para uns velhotes que andam nisto há 20 anos, não é nada mau. “Nós somos como o Eto’o”, diz Carlão. “Temos uma idade falsa, dizem que somos velhos mas ainda marcamos golos.” Tendo em conta a temática do disco, fica-se a pensar o que será a baliza.
 

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5-30
5-30
Warner
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