Um Portugal ajustado, mas não resignado, com a realidade

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Bruno Ferreira

Os quatro PAUS, na casa dos trinta, pertencem a uma geração que cresceu com as transformações da indústria. Têm uma visão realista: o mercado é exíguo, é preciso procurar os diversos nichos de público globalizado e fazer-se à estrada

Os primeiros meses de 2014 estão a revelar-se estimulantes para a música feita em Portugal. Legendary Tigerman e Dead Combo são celebrados. Capícua, Capitão Fausto ou You Can’t Win Charlie Brown confirmaram as esperanças depositadas nos últimos anos. Bruno Pernadas, com um excelente álbum, e Sensible Soccers ou Sequin, com estreias auspiciosas, revelaram qualidades, enquanto os 5-30 no hip-hop ou, noutra perspectiva, os Bison & Squareffekt no zouk bass, tentam abrir frentes. E ainda vêm aí álbuns dos Buraka Som Sistema, Halloween, D’Alva e outros. 

E estamos a falar apenas de uma pequena parcela, com mais visibilidade. Ao mesmo tempo, em simultâneo à edição de discos, há cada vez mais concertos de portugueses a acontecer e, muitos deles, repletos. Não se assistem a fenómenos de massas (apesar do regresso dos Silence 4 o ter proporcionado), nem nenhum destes músicos enriqueceu, com as cifras macroeconómicas de outros tempos a darem lugar a uma nova objectividade. Mas há um ajuste com a realidade, com gente com ideias a criar espaço para fazer aquilo de que gosta: música. 

“Sim, existe uma mudança de atitude, do público e dos músicos”, avalia Joaquim Albergaria. Da parte dos músicos já não existe a tentação de seguir esta ou aquela tendência, ou como diz Hélio Morais, “a época em que toda a gente queria ter uma banda como os Pearl Jam, ou seguir o grunge, acabou.” Do lado do público, parecem também esbater-se velhos preconceitos com o ser-se português. Uma transformação que não é de hoje. É um processo. Onde muitas pessoas e entidades tiveram um papel fundamental (Albergaria evoca nomes como a editora Ama Romanta, o músico Sam The Kid ou a promotora Filho Único), mas onde a tecnologia também se revelou importante. “O facto de a partir de determinada altura as pessoas começarem a decidir, através da internet, o que querem ouvir, proporcionou mais liberdade. Já não são apenas as editoras a decidir o que ouvir.” 

Nichos de público 

Os quatro PAUS, na casa dos trinta anos, pertencem a uma geração que já cresceu com as profundas transformações da indústria da música. Ou como diz Hélio: “Somos de uma linhagem que percebeu de antemão que não iria fazer dinheiro com a música, portanto também não existe espaço para grandes desilusões.” 

Ou seja, do ponto de vista do enquadramento na indústria cultural e musical portuguesa, optam por uma visão realista. O mercado português é exíguo. O país é uma realidade comercial pequena. Para alguém poder viver condignamente da sua arte em Portugal, ou tem de alcançar uma grande abrangência de público, às vezes colocando em risco a integridade artística, ou então procurar os diversos nichos de público globalizado e fazer-se à estrada. 

É essa a aposta do grupo neste momento. É essa a ambição. Aliás, ao longo da conversa existe um nome várias vezes evocado: Primavera Sound, o festival de Barcelona com credibilidade internacional, que nos últimos anos se realiza também no Porto, e que acabou por servir de trampolim para o grupo de Lisboa. 

Joaquim Albergaria havia dado a conhecer o grupo a Gabi Ruiz, o responsável do festival, nos estúdios lisboetas de João Paulo Feliciano (artista, músico, editor da Pataca Discos e responsável pelo design do espaço no Primavera do Porto) e há dois anos, quando um dos grupos previstos para actuar em Barcelona desistiu, foram convidados para integrar o cartaz. 

Depois do primeiro convite, seguiu-se o segundo, em 2013, a uma hora da noite ainda mais privilegiada. E a relação estreitou-se. “O ano passado, uma série de agências de booking espanholas, uma grega e uma francesa, que nos viram tocar em Barcelona, demonstraram interesse em trabalhar connosco e fizemos um jantar para avaliar a situação”, recorda Hélio. “No dia em que íamos enviar o email à agência que tínhamos escolhido, enviei também um email ao Primavera Sound, dizendo que tinha sido óptimo o concerto e acrescentava que até tínhamos arranjado editora e tal. E eis que eles nos respondem de imediato, dizendo para não assinarmos já, porque desejavam trabalhar connosco.”

E assim aconteceu. Não só a El Segell vai assegurar a edição para fora de Portugal, como se incumbe do management e booking, embora neste caso tenham parcerias noutros países. Ao longo dos últimos anos já tocaram na Holanda, Espanha, Inglaterra, México ou EUA, mas a aposta mais sustentada vai ser este ano, com datas em França, Holanda e Bélgica, regresso ao Primavera de Barcelona ou uma ida ao festival Jabberwocky, com curadoria do All Tomorrow’s Parties. “As pessoas não sabem que existe tanta boa música a ser feita neste momento em Portugal”, diz Hélio Morais, reflectindo sobre a experiência do grupo, quando comunica com congéneres europeus. “Quando nos vêem ao vivo ficam sempre muito surpresos e interrogam-nos: mas em Portugal há mais bandas assim? E nós dizemos que existe excelente música a ser feita, só que não conseguimos chegar, tanto quanto gostaríamos, a outros lados.” 

Quando falam com eles sobre Portugal existem sempre dois nomes nomeados: os Buraka Som Sistema e o fado. Por causa do fado, diz Albergaria, o olhar sobre a realidade musical portuguesa acaba por ser circunscrito. “É como se apagasse tudo o resto à volta, condicionando a forma como nos olham.” 

Faz sentido. Embora para que os Outros nos olhem de forma mais complexa, e próxima da realidade, tenhamos que ser nós a escolher o que lhes mostrar, a verdade é que é ainda através do fado que Portugal se representa. Talvez quando deixarmos de nos preocupar com a forma como somos vistos essa realidade mude, e mais portugueses, como os PAUS, se possam mostrar, acabando por reflectir, com naturalidade, uma realidade rica e diversa.

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