Brisa de Verão

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O Verão já lá vai, mas nos EUA, Espanha ou Suécia a brisa quente mantém-se graças à música dos Girls, The Drums, Delorean, Washed Out ou JJ. Água, ou música, por favor

O Verão é intemporal. As temperaturas baixam, o sol esconde-se, os dias dão lugar à noite mais cedo. Mas existirá sempre a música para nos recordar que a utopia é possível sempre que quisermos.

Nos últimos meses tem sido um fartote. A partir dos EUA, em particular da Califórnia, mas também de Barcelona ou da Suécia, uma série de projectos musicais impulsionados por blogues ou plataformas da internet têm dado que falar. Alguns já se estrearam com álbuns, mas outros ainda estão na fase dos EPs ou das remisturas.

Não é um movimento, evidentemente. Quando muito são sensibilidades partilhadas, unidas pelo mesmo desejo de evasão, por influências semelhantes - música surf dos anos 60 ou pop electrónica - e por uma necessidade de fazer caseiro que ultrapassa em muito o desejo de fazer perfeito.

Alguns destes projectos apostam numa pop electrónica eufórica, soalheira, à beira-mar. Música para desfrutar ao final da tarde. Outros são mais nocturnos, tortuosos, roqueiros, denotando marcas dos sonhos narcotizados da geração hippie, apesar de nunca largarem de vista a prancha de surf.

É esse o caso dos Girls, dupla californiana - Christopher Owens e Chet Jr White - que acaba de se estrear com "Album", obra de derivações cósmicas, guitarras que não têm receio da distorção, refrões de impacto imediato e melodias acetinadas que resultam em canções que parecem quase toscas mas que se revelam, afinal, impactantes e viciosas.

Por vezes é um rock dormente aquele que têm para propor, aproximando-os dos Velvet Underground, outras vezes são mais melódicos, evocando a pop mais folgada dos anos 60 e Beach Boys em particular.

Mas independentemente das recordações e das influências, o que sobressai é a atitude jovial, o fervor e o entusiasmo com que se lançam à criação de cada canção. Algo que dizem ter aprendido com grupos do passado, como Felt ou My Bloody Valentine, mas essencialmente com uma figura ainda marginal do presente, Ariel Pink.

Ao longo dos últimos anos, Ariel Pink tem feito tudo para corromper saudavelmente a história da canção pop, desconstruindo-a de forma delirante e desmesurada. Foi com ele que Christopher Owens afirma ter aprendido a conceber canções a partir de uma perspectiva pura - até onde isso é possível.

Ecos do surf

Mas os Girls estão longe de estar sós nesta forma de encarar a realidade. Este rock, assumidamente artesanal, tem outros seguidores em Los Angeles e arredores. Na maior parte dos nomes das editoras (Permanent Vacation ou Underwater Peoples), dos grupos ou das canções há referências ao mar, ao sol, ao lado descontraído da existência.

"Sun was high (so was i)" da dupla Best Coast, "Lost at sea" das Pearl Harbour, "Beach comber" dos Real Estate ou as Dunes são apenas alguns exemplos. Já com algumas exposição, as Vivian Girls, de Nova Iorque, ou os Wavves, estes também da Califórnia, partilham com os Girls e demais o gosto pela reverberação do rock e expõem os ecos do som surf dos anos 60.

Como fazem também os The Drums, de Nova Iorque, em canções como "Let's go surfing" ou "Down by the water". Com um EP recentemente lançado - "Summertime", claro - e com álbum de estreia para breve, já são apontados como a próxima banda a ter debaixo de olho graças a um som jovial, de inocência melódica e eficácia desarmante, algures entre os Ramones e Beach Boys.

Outro projecto que tem dado nas vistas é Washed Out, ideia desenvolvida solitariamente pelo americano Ernest Greene. Ao contrario das figuras acima referidas, tem-se destacado com uma pop electrónica sonhadora, algures entre os Scritti Pollitti ou Blue Nile dos anos 80, ou dos Junior Boys se o prisma for um olhar mais recente.

Curiosamente, tal como os Girls, também reivindica como principal referencia Ariel Pink. E já agora o fotógrafo Ryan McGinley e o realizador Martin Hynes. No universo dos selectos blogues que coleccionam temas em mp3, "Feel it all around", foi a canção mais ouvida em pleno Agosto. Percebe-se porquê, com um som electrónico langoroso, uma voz masculina insinuante e uma estrutura pop quase perfeita.

Sobre Washed Out recaem imensas expectativas, mas há muito mais para desbravar nos EUA. É o caso de Memory Tapes, com álbum acabado de chegar, "Seek Magik". Mais uma ideia individual produzida em ambiente doméstico, desta feita por Dayve Hawk, com horizontes expansivos, unindo EUA a Ibiza.

São canções idealistas aquelas que propõe, sem deixarem de vaguear na proximidade da pista de dança, esconjurando alguns dos melhores períodos dos New Order, sem nunca soarem a mera cópia, como acontece em "Bicycle" ou "Swimming field".

Quase com álbum a sair está Neon Indian (Alan Palomo, 21 anos), que se deixa ir pela mesma pop electrónica, de ritmos preguiçosos e vozes voluptuosas. O seu tema mais conhecido chama-se, claro, "Deadbeat summer".

A euforia escandinava

Esta brisa de Verão, constituída por esta nova fornada de projectos, pode ter mais impacto, neste momento, nos EUA, mas está longe de se circunscrever ao território Ianque, como provam os ingleses Trailer Trash Tracys.

É até justo dizer que estas movimentações solarengas se afirmaram, antes, nas Escandinávia. Em particular nas cidades suecas de Gotemburgo e Estocolmo. É daí que são os Studio, Boat Club, Air France, Lake Heartbeat, JJ, Embassy, Sail A Whale, The Though Alliance e quatro importantes editoras - Service, Sincerely Yours, Labrador e Luxury.

Deste lote o destaque mais recente vai para os misteriosos JJ, autores de "Nº2", magnífico álbum de pop subtil e radiosa, com voz feminina sussurrando palavras de forma elegante por entre ritmos percussivos capazes de evocar um Verão perdido entre o Norte de África e Sul de Espanha. 

Talvez porque sol e praia é coisa que não abunda na Suécia, a música da maior parte destes projectos revela mais euforia. A pop é mais excessiva. As vozes mais melosas. A atitude mais descomplexada. E às vezes o resultado é estupendo, precisamente por não terem receio do risível.

Essa vontade de celebrar a vida sem desculpas é algo que também se sente em Barcelona, cidade que, o ano passado, já nos tinha dado El Guincho e a editora Discoteca Oceano. Em 2009 a cidade tem sabido destacar nomes como Delorean, John Talabot, Sidechains, Requesters ou Extraperlo.

Os primeiros são os têm tido mais destaque e percebe-se porquê. A sua música é talvez a que melhor resume esta vaga, expondo doses semelhantes de exaltação electrónica, elementos rock e vocação dançante, misto de Cut Copy com Lcd Soundsystem, mas em vez de se dançar numa cave nova-iorquina a festa faz-se ao som de "Seasun", com vista para a praia de Barceloneta. 

Já têm três álbuns lançados, mas foi quando começaram a editar pela Fool House - etiqueta pertencente ao blogue francês floukids - que ganharam protagonismo, principalmente com o  último mini-álbum, "Ayrton Senna".

Numa entrevista recente à publicação inglesa "Fact", o vocalista dos Delorean era convidado a tentar uma explicação para a música tão efusiva do grupo.

Primeiro, disse que não fazia ideia. Depois, quase por acaso, foi largando que talvez tivesse a ver com a proximidade do mar, com o culto do ar livre e a sociabilização através do consumo do prazer, que todos os membros do grupo estimam e praticam.

Talvez seja a presença desses elementos que faz com que os Delorean pratiquem uma música feliz como pode ser a ausência desses elementos a contribuir para que os suecos façam o mesmo.

Podem ser inúmeras circunstâncias, mas há coisas que não vale a pena tentar explicar. Há música que tem vontade de dizer que sim em vez de dizer que não, de incluir em vez de riscar. Esta é dessa. E basta.

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