A Kettering dos Temples é imensa

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Kettering, que não tinha nada para lhes oferecer, deu-lhes motivação para criarem um universo. Com discos dos Byrds e dos Pink Floyd por perto, os Temples tornaram-se nome a juntar à armada psicadélica

Kettering é uma pequena cidade no condado de Northamptonshire a cerca de 130 quilómetros de Londres. Nas proximidades, em Rushton, encontra-se o Triangular Lodge, um estranho edifício construído no século XVI com ar de templo cabalista: de base triangular, e basta simbologia inscrita nas paredes — desmistifiquemos, é uma homenagem à Santa Trindade católica (três paredes, três andares, três janelas) —, foi ali que os Temples se deixaram fotografaram para a capa de Sun Structures, álbum de estreia muito aguardado depois de os quatro singles editados desde o final de 2012 os terem transformado em next big thing britânica (o que quer que seja que isso queira dizer no ano da graça de 2014). E os Temples, sonhadores inveterados com a cabeça iluminada por colorido psicadélico e melodias pop, só podiam ser de Kettering.

Quando nos atende o telefone, James Edward Bagshaw, vocalista e guitarrista, está no centro do seu mundo. Foi ali, num pequeno anexo em jardim inglês, que gravaram Sun Structures. Se se deitar no chão, explica, os pés tocarão numa das paredes, a cabeça noutra. Sala muito pequena, portanto. “Mas inspirou-nos ao máximo. Como não queríamos que soasse à dimensão que tem, fomos obrigados a arranjar soluções”, diz-nos: “muito material espalhado pela casa”, um cabo grande para se poder gravar uma guitarra lá fora, num dos quartos da casa principal, preferência pelo analógico e atenção aos feitos de Joe Meek, o antecessor de Phil Spector, que conseguia pequenos milagres sónicos gravando num apartamento (os ecos incríveis das vozes nasciam na casa-de-banho). “Nos velhos tempos havia muito mais características ‘fora’ nos sons dos produtores, e essa vontade parece ter-se perdido. Estamos a tentar recuperá-la.”

A banda nasceu enquanto duo formado por Bagshaw e pelo baixista Thomas Edison Warmsley. A intenção passava por gravar canções. Nada de concertos. Para quê dar concertos quando se é de Kettering? “Quando tinha 18 anos havia uma sala, mas fechou. E quando começámos a gravar não saíamos ao fim-de-semana, porque não havia nada. Kettering não é um centro de cultura, não é arty. Juntámo-nos porque tínhamos os mesmos interesses e o mesmo senso comum.” Juntaram-se e, então sim, Kettering teve os seus efeitos: “Estando numa grande cidade imagino que seja mais difícil ter uma abordagem original, porque acabarás por ser pressionado e influenciado por todas as ‘cenas’ existentes.” Em Kettering não há nenhuma cena, portanto também não existe a tentação de lhe pertencer (ou de reagir contra ela). “Resta-nos tentar fazer algo novo, no sentido de sermos o mais verdadeiros connosco que for possível de uma forma instintiva. Foi por aí, por um certo sentir alienígena, que chegámos a este tipo de psicadelismo” — “take me away to the twilight zone”, ouvimo-lo cantar em Shelter song, a primeira de Sun Structures.

Esse isolamento, alimentado pelos universos sonoros descobertos em álbuns dos Zombies, dos Soft Machine, dos Can, dos Byrds, dos Pink Floyd de Syd Barrett ou da Motown (“Não podemos negar o poder da sua secção rítmica”), originou um som denso, de baterias tonitruantes, teclados barrocos a como fina tapeçaria sonora, guitarras de 12 cordas, à Roger McGuinn, a chocalharem para nosso prazer, e canções em que metáforas cósmicas são atiradas para refrães que os ouvidos agradecem. Esta última característica é importante. “Somos uma banda pop. Podemos ter elementos psicadélicos, mas o que nos faz trabalhar e nos comove é a canção.” E o som que faz as canções dos Temples não demorou a propagar-se. Tanto que ficar fechado num anexo deixou de ser solução.

Com os elogios aos singles a multiplicarem-se e o grupo a ser solicitado para concertos, a banda completou-se. Chegaram Sam Toms, baterista, e Adam Smith, teclista e guitarrista. O álbum foi sendo aguardado com entusiasmo e até Noel Gallagher bradou que os Temples eram mais importantes do que os Oasis (esperemos que a bem-intencionada intervenção não se transforme em beijo da morte, como acontece habitualmente quando decide elogiar uma nova banda).

Com Sam e Adam, a banda não mudou. Os Temples continuaram à procura de música com “qualidade de transporte”. Bagshaw desenvolve: “No sentido de ser o som de uma viagem. De, em vez de olhar simplesmente para uma tela na parede, aperceber-me de todos os pormenores que esconde.”

Sun Structures tem muitos pormenores. É um épico psicadélico, arrancado às memórias luminosas da década de 1960 e disfarçado de canção pop. Acompanhar-nos-á muito em 2014. Isso é o futuro próximo. Entretanto...

Os Temples estavam a dias de dar o seu primeiro concerto em Kettering e James Edward Bagshaw estava entusiasmado. Foi nessa cidade que a banda nasceu. Nasceu para imaginar um mundo além dela. O círculo completa-se. Prossegue a viagem que acabou de começar. 

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