O estranho caso do bebé enrugado

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Atravessa o século americano. Não é Forrest Gump. Quem é ele?

Em "O Estranho Caso de Benjamin Button" o tempo não se limita a passar. Ele agita-se como um maremoto, alagando cidades, arrastando vidas humanas como se estas fossem pedaços de terra. Anda para trás e para a frente como um projector de cinema, revelando a história de um homem cujo destino invulgar é envelhecer ao contrário: começa a sua vida como um velhote enrugado e termina-a como bebé recém-nascido.
A presença do tempo no filme é de tal modo poderosa que quase se torna uma personagem, tal como acontece com a cidade de Nova Orleães, onde se passa a acção do filme. Pensamentos sobre o tempo e a mortalidade deixaram uma marca profunda em muitas das pessoas ligadas a este projecto, incluindo o realizador David Fincher, o argumentista Eric Roth, a produtora Kathleen Kennedy e Brad Pitt, que interpreta o protagonista.

"Não é um filme sobre uma vida vivida para a frente ou para trás; é um filme sobre uma vida bem vivida", diz Kennedy, que dedicou anos da sua vida a trazer "Benjamin Button" ao ecrã, apesar do cepticismo do estúdio. "Obriga-nos a enfrentar as escolhas que fizemos ao longo do caminho."
Livremente inspirada num conto de F. Scott Fitzgerald, escrito em 1922, esta co-produção da Paramount/Warner Bros [estreia em Portugal a 15 de Janeiro] é acima de tudo um romance épico sobre amantes desencontrados cujo tempo em que as suas vidas se cruzam é dolorosamente breve.

Tal como um homem a quem deitaram um feitiço medieval, Benjamin Button inicia a sua vida aos 80 anos no dia do Armísticio, em 1918, e vive a vida através dos muitos altos e baixos daquele a que chamam o Século Americano. Ao longo do filme, Pitt sofre várias transformações que o levam de frágil octogenário a marinheiro robusto e a um atraente aventureiro capaz de conquistar o coração da sua velha paixão, Daisy Fuller (Cate Blanchett), bailarina que encontra pela primeira vez Benjamin quando ela é uma criança precoce e ele é um velhote virgem.
Interpretar um americano típico com um arco narrativo que o leva da cova ao berço parece intimidante. Mas o vencedor, por duas vezes, do título de Homem mais Sexy Vivo atribuído pela revista "People" diz que ficou fascinado ao ver-se curvado e enrugado - com a ajuda de vários pequenos duplos e alguns sofisticados efeitos especiais.

"Eu, na verdade, estava bastante intrigado para ver até onde é que aquilo podia ir dar", diz-nos Pitt, acrescentando que teve "uma palavra a dizer" sobre o quão decrépito iria aparecer no ecrã. "Fez-me pensar na passagem do tempo. Estou a meio da minha vida? Estou a meio caminho?... Será que tenho 10 anos de vida, cinco anos? E sendo assim como é que vão ser esses momentos que eu sei que tenho?"
Fincher, que anteriormente trabalhou com Pitt em "Se7en" e em "Clube de Combate", vê Benjamin como uma "testemunha" que está "simplesmente presente" em todos os momentos da sua longa vida. A chave para a força do desempenho de Pitt, acredita, está no facto de o actor inspirar-se nessa mesma qualidade.

"Penso que a razão por que nos deixamos ir com o filme é porque, se pudermos imaginar tal coisa, Brad consegue ser um homem vulgar, o que por si só é uma ideia absurda", diz Fincher, aludindo à popularidade mundial do actor.

Kennedy conta que quando ela, Fincher e Roth estavam a preparar o filme, começaram a falar de experiências comuns: criar filhos, perder entes queridos... Quando Roth começou a escrever o argumento a sua mãe estava a morrer e durante o período de revisão o pai faleceu. Tudo isso deu forma a "O Estranho Caso de Benjamin Button".

Delicadeza de sentimentos

O público que conhece o trabalho anterior de David Fincher pode ser surpreendido pela delicadeza de sentimentos desta obra.
"Ele tem a reputação de 'princípe das trevas' devido aos temas que abordou anteriormente", reconhece Pitt. "Quando aceitou fazer este filme foi uma decisão ousada. Porque eu conheço Fincher, o pai, que é muito devotado à sua filha, conheço Fincher, o filho, que ajudou o pai a lutar com a morte durante um ano. E isso influenciou muito a história - com Eric, claro, que teve experiências semelhantes como pai e como filho."
O argument de Roth oferece uma perspectiva mais dócil e generosa da parábola Proustiana de Fitzgerald, que é uma história fantástica, de algum modo cáustica, sobre como a gravidade da era da Guerra Civil americana foi gradualmente usurpada pela frivolidade da Idade do Jazz. "Benjamin Button", o filme, é basicamente uma história de amor sobre como duas almas se podem cruzar apesar de guerras, acidentes e aparências exteriores enganadoras.

"Conhecemos todo o tipo de pessoas, ao longo do caminho, e é como se todas elas nos inspirassem ou nos repelissem ou o que quer que seja", diz Roth. Reconhece semelhanças entre a história de Benjamin e "Forrest Gump", que em 1994 lhe valeu um Óscar para melhor argumento adaptado. "Mas penso que este é um filme muito diferente. Não é que eu esteja a dizer mal do outro, [mas este] é um filme mais profundo."
"O Estranho Caso de Benjamin Button" pode ser entendido como uma alegoria da América em tempos de profunda transição. Filmado em cores ricas e escuras pelo director de fotografia Claudio Miranda e envolvido numa atmosfera terna e nostálgica, o filme encontra um símbolo visual inspirador em Nova Orleães (uma mudança do cenário original de Fitzgerald que era passado em Baltimore).

Pitt, que desde o furação Katrina se tem envolvido nos esforços para reconstruir Nova Orleães através de uma fundação que dirige com o produtor Steve Bing, diz que a decisão para filmar na cidade foi "absolutamente oportuna. De repente, deu ao projecto nova força. Deu-lhe o seu ritmo. Para começar, há algo de intemporal em Nova Orleães. E é um lugar de magia e mistério onde podemos acreditar que algo como isto podia acontecer."

Finalmente, "Benjamin Button" declara que meros mortais não podem travar o fluxo do tempo tal como não podem impedir um furacão. No entanto a mistura que o filme faz de temas como mortalidade e regeneração, destino e amor, também sugere que é um pequeno milagre estarmos simplesmente vivos.

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