Mika mesmo aqui ao nosso lado

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Um EP acústico de quatro canções para já e um novo álbum de originais em Setembro. A fulgurante carreira de Mika segue dentro de momentos. Em Madrid, apresentou as novidades.

O que mudou? "Conheci mais pessoas porque se aproximaram de mim, mas também mais têm medo do que represento e reagem à minha fama" diz-nos Mika, ou melhor Michael Penniman, 24 anos, americano-libanês residente em Londres, que acedeu há dois anos ao panteão das estrelas globais.
Então o que faz ele há duas horas conversando, informalmente, com meia dúzia de jornalistas nos estúdios Red Led, no coração de Madrid, onde foi apresentar um EP e álbum novos? "Quando a nossa cara e música estão em todo o lado isso cria mal entendidos e desconfianças", diz-nos. "Se quero que o meu trabalho seja percebido tenho que o comunicar bem e não conheço outra forma de o fazer que não seja falar com as pessoas, olhos nos olhos."

Em alguns círculos pode ser visto como celebridade descartável. Um cantor desenhado a régua e esquadro para o sucesso. Ao nosso lado, falando espontaneamente de música, mas também da família, dos amigos, de restaurantes e praias de Portugal que frequentou, parece tudo menos isso. É caloroso e assume fragilidades, dizendo que sofreu com a pressão de ter vendido 5 milhões de cópias do álbum de estreia, "Life In Cartoon Motion", lançado há dois anos, gerindo com dificuldade a expectativa. 
Por isso mesmo, antes da edição do segundo álbum no fim de Setembro, decidiu-se pelo lançamento de "Songs For Sorrow", EP de quatro canções acústicas, que está disponível, desde 4ª feira, para descarregamento gratuito na sua página oficial da internet. O formato físico estará disponível a 25 de Maio e consistirá num livro, contendo uma série de ilustrações originais feitas por artistas convidados para o efeito, e num CD com os quatro temas.
"Quando comecei a compor para o segundo álbum, depois da digressão, no Verão passado, senti-me bloqueado e para sair dessa dinâmica acabei por criar estas canções acústicas sobre pequenas histórias sombrias" revela, expressão séria, chapéu preto, calças brancas e camisa aos quadrados. "Foi uma maneira de fugir à pressão de ter que lançar novo álbum, uma solução intermédia."
 
Nada lhe parece escapar. Explica tudo com evidente prazer e sentido profissional. É o próprio quem acciona o botão de "play" a cada nova canção. Enquanto as ouvimos, balança com a cabeça, mostra-se descontraído, descreve cada uma delas com minúcia.

Tim Burton

As canções do EP descreve-as como sendo o equivalente musical dos filmes de Tim Burton, fábulas com qualquer coisa de cómico e de soturno em simultâneo. Contou com a colaboração do canadiano Owen Pallett, conhecido pelo projecto solitário Final Fantasy e pela criação de arranjos para os Arcade Fire.

Mais tarde, informalmente, haverá de confessar que é possível que ambos voltem a colaborar num projecto em torno dos rituais funerários do México, em consequência de conversas sobre as canções incluídas no EP, que classifica como "contos negros."

A edição física contemplará um livro com trabalhos artísticos, "uma interpretação livre das canções de Mika", haverá de confessar, mais tarde, Yasmine, mais conhecida por DaWack, artista, 28 anos, irmã mais velha de Mika. É ela que concebe as imagens que giram em torno do irmão, do design dos discos ao sítio da internet. No ano passado chegaram a expor trabalhos dela feitos para ele, na galeria Blink de Londres, afirma, ao mesmo tempo que revela que foi ela que encetou a maior parte dos contactos com artistas e designers que o irmão queria convidar.

Segundo ela, foi fácil convencer amigos, como o designer de moda inglês Paul Smith, mas outros não conheciam sequer a música do irmão. O livro estará à venda no sítio da internet do cantor e nas lojas de Paul Smith, terá obras do pintor Peter Blake, dos ilustradores Jim Woodring, Al Colúmbia, Sophie Blackall, Richard Hogg e Tao Nyeu, do fotógrafo David Mackie ou do designer de moda Walter Van Beirendonck. "Enviei-lhes as letras das canções e depois eles interpretaram-nas, cada um à sua maneira" conta DaWack, revelando que foi um processo moroso.

Processador de memórias

O pai de Mika e de DaWack é um banqueiro americano. A mãe, uma designer de moda libanesa que, muitas vezes, colabora com os filhos. Eles, e três outros irmãos, nasceram em Beirute e cresceram em Paris, antes de assentarem em Londres, há 16 anos. Ela, que já viveu em Xangai, diz que o sucesso do irmão não a surpreendeu. "Desde os sete anos que planeia tudo o que tem a ver com esta actividade e é muito focado e criativo."

O primeiro álbum de Mika, diz ele, era sobre as suas memórias longínquas, quando tinha entre seis e 11 anos. No álbum a editar no Outono avançou mais alguns anos. "Todas as canções funcionam como um processador de memórias e todas elas evocam histórias que remontam ao tempo entre os 15 e os 18 anos", confessa.
Quando põe a tocar aquelas que considera ser as canções mais importantes do novo álbum faz-se silêncio. É uma espécie de ópera pop da sua adolescência que se faz ouvir, com falsetes, coros juvenis, arranjos faustosos.

Em "Rain" os ritmos electrónicos combinam com orquestrações e teclados planantes, evocando alguma da pop electrónica dos Pet Shop Boys. Na balada "I see you" o piano ganha destaque, antes da voz (misto de Freedie Mercury e George Michael) irromper, com veemência.
As características nucleares da sua música mantém-se - síntese da pop dos anos 60, da extravagância rock e da febre "disco" dos 70 e da pop electrónica dos 80, tudo isto fermentado numa pop-pastilha-elástica que acaba por transcender épocas. A diferença é que agora parece mais contido e focado. Uma coisa é certa, é mais um conjunto de canções destinadas ao sucesso, capazes de afectarem quem se contenta em ouvir Queen e hinos de futebol ou quem se revê nas fantasias de Rufus Wainwright ou Patrick Wolf.

Parece consciente do desafio que tem pela frente. Sabe que existe quem o veja como uma mera estrela efémera, mas está disposto a mostrar que é um autor, compositor, músico e "performer" com quem se poderá contar no futuro. "Ao princípio sentia-me rejeitado", confessa. "Ninguém percebia os arranjos de comédia musical das minhas canções, mas insisti e fui recompensado. Agora que cheguei aqui não irão ver-se livre de mim tão cedo."

O segredo, diz, é arriscar. Deve ter sido isso que fez quando, recentemente, realizou um concerto acústico numa pequena sala em Los Angeles. Cerca de 1500 pessoas esperaram horas para poderem aceder aos 200 bilhetes gratuitos que o próprio resolveu entregar de uma carrinha de gelados em Beverly Hills. A experiência parece ter resultado muito bem porque em Junho irá fazer oito concertos acústicos em salas especiais na Europa. Até lá, vai descansar uns dias. Diz que em Portugal. Mas pede para não publicarmos onde. Uma estrela pop não tem que revelar tudo.

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