Israel, "mon amour", monstro do meu coração

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Em "Israel", Pedro Penim revisita e reescreve os seus momentos a solo nas peças do Teatro Praga. Em cena de hoje a sábado, dia 27 de Setembro (21h30, de segunda a sábado; 18h, domingo). No dia 26 de Setembro, às 18h30, há uma conversa com os autores Alípio Padilha

É o mais desassombrado texto, e a mais vivida encenação a solo de Pedro Zegre Penim. Não podia ser de outra forma: pessoal, íntimo e político, porque Israel é tudo isso

Se Israel fosse um prédio destruído, dar um pontapé a uma das pedras era só isso, mais um murro no nosso saco de boxe favorito. Israel é um território mas é também a ideia de um território. Um país que é, ao mesmo tempo, a ideia de um país. Um corpo que é, ao mesmo tempo, a ideia de um corpo. E um espectáculo que é, ao mesmo tempo, a mais aproximada hipótese de reflexão sobre a arte israelita sem o ser - mas a desejar profundamente abrir os olhos e ser visto como tal. "Toda a arte israelita está carregada de símbolos. Uma mesa com um copo de água em cima representa qualquer coisa de muito forte", diz-nos Pedro Penim, do colectivo Teatro Praga e co-autor com a artista plástica Catarina Campino de Israel, a peça que hoje estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa. "Desde o início que percebemos que a arte produzida considerava que o assunto era problemático porque todas as decisões eram passíveis de serem lidas como a análise documental da situação, ideia que rejeitávamos", explica. "Era muito importante que fosse um espectáculo", continua, "porque a tentativa de tomar uma posição em relação àquele país, àquela ideia de país, e àquele conflito é redutora. É sempre redutora. Não fazemos espectáculos que compitam com a denúncia de verdade ou a noção de viagem."

Há um trabalho pré-feito na cabeça do espectador que faz com que Israel, enquanto conceito, "queira dizer muitas coisas". "Tudo o que está no texto está a ser lido à luz do título." E Israel será isso, uma história sobre a qual todos teremos algo a dizer.

Mas Israel, o espectáculo, reúne os dois principais interesses de Penim: a geografia e as relações amorosas. "Era preciso tornar íntima a experiência e isso ser uma caução constante do que digo." Israel, o espectáculo e imaginamos que também o país, "deve ser visto à luz de alguém que está apaixonado", diz, única forma, aliás, de viver (n)aquele território.

Se o amor for um país, e o corpo um território, o corpo é lido da forma que melhor nos sirva, concordará o autor. A questão de base da frase banal "o problema sou eu, não és tu" é não se poder conseguir ler no outro aquilo que se acha que o outro nos daria. "Há uma espécie de felicidade do impossível que Israel nos dá", reflecte. "Enquanto visitante daquele espaço, o que é excitante é manter viva a chama. A resolução do conflito é a falta de perspectiva e o fim da história. E isso, sendo inevitável, vai dar origem a outra história." Será preciso "pensar aquele território como algo que nunca foi, como algo que um dia se pode concretizar, onde se perseguiram ideais que nunca existiram noutras zonas", acrescenta. "E porque nunca foi conseguido, podemos projectar naquele caos uma espécie de felicidade do encontro." Há uma espécie de felicidade do encontro que permite essa "transposição para o conceito artístico", explicita citando o filósofo francês Alain Badiou. Para o tornar real.

Penim, para tornal real essa transformação, fala da "hora perfeita", a hora que dura o espectáculo, dividido em catorze paragens, como as do Calvário, cada uma delas com nomes de cidades ou intenções teóricas. Mas essa hora é também "a hora do trauma" que guarda a memória do Tisha B"Av, o nono dia do mês de Av no calendário hebraico, dia em que os templos de Jerusalém foram destruídos. É o dia do trauma, e o traumaturgo - a junção de trauma com dramaturgo, o autor do texto - serve na perfeição o "jogo de espelhos" que é Israel. Penim olha-se para um ecrã de computador e a imagem que vemos é a do seu rosto ampliado a falar com alguém por quem está apaixonado. Alguém, um país ou a ideia de alguém e de um país. "Eu vejo a minha imagem, e falo para ela, evito o confronto directo, mas tu estás a ver-te e a confrontar-te com um ente que é bidimensional, perfeito porque inacessível. Eu nunca posso estar a falar para as pessoas mas não posso não falar para as pessoas. É a ideia de Jerusalém celeste, perfeita, e a Jesusalém terreste, imperfeita." Penim vai mais longe na explicitação desta exposição: "Tu sentes-te voyeur de uma coisa que não é suposto veres, a minha vida pessoal".

"Quando construí o texto, havia uma espécie de universalismo na temática, que tem a ver com o corpo. Quando a forma é uma relação amorosa, qualquer pessoa a pode entender. Procurei armadilhar o texto de forma a que pudesse ser essa dimensão de entrega, como se o meu corpo estivesse a tentar ser israelita e não turista." "Não é um corpo fascinado", garante, e isso aprendeu-o ao falar com israelitas, das várias vezes em que visitou o país, que lhe pediram para não serem tratados como objectos de estudo. "Não nos culpem, somos tão complexos como vocês", disseram-lhe. "Já fomos um objecto de estudo, ultrapassámos isso pela força."

"Israel tem uma espécie de felicidade histórica que é operativa agora", diz Penim para falar do modo como a realidade quotidiana utópica se constrói naquele território. "Por isso, viver em Israel mimetiza, todos os dias, a hipótese de felicidade de uma relação amorosa apaixonada. Porque todos os dias sobrevives. Não há um segundo de aborrecimento. Todos os dias és obrigado a ter opinião sobre tudo, e isso, sendo um factor de discussão em todos os níveis sociais, também está imbuído de um espírito totalitário. Acabar com o conflito é acabar com isso. E é normalizar e estabilizar a relação amorosa. A paixão é viver a vida como se fosse o último momento. E é por isso que é tão difícil apaixonares-te em Lisboa." Penim concordará que quando dizemos a alguém "amo-te", não queremos que nos digam: "também". Queremos que a outra pessoa seja a confirmação do amor que temos por ela. "Isso é um peso. Declarar o amor a alguém, ou a um país, é perigoso, Nunca vamos ter o correspondente desse amor. Há a ideia de encontrar um amor que é verdadeiro, a ideia de um amor por um país, por um nome, é verdadeira. Ponho ao serviço do artifício teatral as minhas relações amorosas", como antes usou referências de livros, filósofos e filmes. "Aqui é esse o conceito, Tenho uma necessidade absoluta de tornar isto pessoal também porque não pode ser de outra maneira. Sempre que se discute Israel, é pessoal. E ser-se pessoal é falar do amor e das minhas relações amorosas. É esse o meu interlocutor, logo, ele é também Israel. E isso é político."

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