Cinco filmes de Koji Wakamatsu cheios de raiva, dirigida para quase tudo o que estava a volta; edição em DVD da Clap
Graças ao sucesso de filmes como "United Red Army" e "Caterpillar" (que vão ser estreados em Portugal para a semana, simultaneamente) o japonês Koji Wakamatsu vive uma espécie de segunda vida. Nascido em 1936, assinou larguíssimas dezenas de filmes, a maior parte deles dentro de um género intrínseco à indústria japonesa, o "pink film". Filmes muito curtos, rodados rapidamente, com uma agenda erótica de códigos muito próprios a cumprir - de algum modo, e não especialmente bem comparado, o equivalente japonês do cinema de "exploitation" americano. Wakamatsu tem, desde os anos 60, dúzias de títulos feitos dentro deste género. Alguns deles saltaram, em 60 e 70, as fronteiras japonesas, e foram vistos em festivais importantes, como Cannes ou Berlim.
Frequentemente Wakamatsu tratava o "pink film" como uma ferramenta, e mais do que cumprir a agenda erótica utilizava os seus códigos para fazer passar um discurso pessoal, e eminentemente político, sobre o Japão seu contemporâneo. Próximo dos movimentos de esquerda "radicais" que se dedicaram ao "terrorismo" ou, segundo a terminologia da época, à "guerrilha urbana" nessas décadas de 60 e 70, chegou a filmar "manifestos" e propaganda pró-palestiniana. O seu "ocaso", em parte, explica-se por aí - como dizia numa entrevista recente, "ainda hoje" lhe está vedada a entrada nos Estados Unidos.
"United Red Army", de que teremos ocasião de falar, é um ajuste de contas com o seu passado, e uma gélida revisão do método e da psicologia desses movimentos. Mas já em 60 e 70 havia algo de gélido na forma como Wakamatsu os filmava, e esta caixa de cinco filmes agora editada comprova-o bem. São cinco dos mais célebres filmes de Wakamatsu: "O Embrião Caça em Segredo", "O Êxtase dos Anjos", "Sex Jack - Sistema Violado", "Os Segredos Atrás das Paredes" e "Vai, Vai, Virgem Pela Segunda Vez", realizados entre 1965 e 1972. Vê-los de seguida é como entrar num longo filme, tão evidente é a coerência interna do universo desenhado por Wakamatsu. Como em Nagisa Oshima ou Shohei Imamura, expoentes da "nova vaga japonesa" e contemporâneos de Wakamatsu (que foi o produtor do "Império dos Sentidos" de Oshima), são filmes cheios de raiva, dirigida para quase tudo o que estava a volta: o conformismo passivo da sociedade, os mais velhos (a geração que conduziu o Japão à II Guerra), a família, a recodificação do Japão do pós-guerra a partir de parâmetros ocidentais, as relações entre homens e mulheres.
O fantasma de Hiroshima aparece explicitamente, através da cicatriz de uma das personagens de "Os Segredos Atrás das Paredes" (em cenas que, quase de certeza não é um acaso, lembram o "Hiroshima Mon Amour" de Resnais e Duras). E, o que também não é um acaso, apesar do "exploitation", do sexo e da nudez (feminina), as mulheres são por regra as criaturas mais vivas e mais indomáveis - aos homens está reservada uma situação de falência (a impotência, a esterilidade) que vira tudo do avesso (o fetichismo ritualizado de "O Embrião Ataca em Segredo", onde um homem rapta um mulher para a transformar em "cadela" põe o "exploitation" de pernas para o ar, quase sentimos pena dos homens japoneses que, em 1966, nele foram à procura de "titilação"), e uma frustração agressiva (a violação é outra recorrência).
Neste Japão atravancado, dado quase só por interiores sobrepovoados, apartamentos pequeninos, banheiras do tamanho de baldes, num preto e branco áspero (nalguns filmes cortado por breves explosões de cor), sufoca-se. O activismo político violento - tema de "Sex Jack" e de "O Êxtase dos Anjos", um grande filme - era pelo menos uma tentativa de respirar. Mas que filma Wakamatsu? Ainda, e quase só, as coisas em dissolução: um grupo que se desfaz, por dissensões internas, no "Êxtase"; a orgia desolada do final de "Sex Jack", onde a "Revolução" é um "gang bang", que depois acaba e estão todos tristes e esgotados.
Edição sem extras, e transcrições impecáveis, respeitando os formatos das imagem (quase sempre em écran largo). Pena que a legendagem, aparentemente adaptada do francês, dê alguns tropeções, mas é pormenor de somenos.
Caixa Koji Wakamatsu
Filmes 4
Sem extras